60 dias para o câncer e o direito do paciente

O tempo é fator determinante para que o tratamento oncológico seja efetivo- ou não. O diagnóstico precoce é a primeira etapa para que os bons resultados sejam alcançados, e com esta resposta em mãos espera-se que o tratamento seja iniciado em 60 dias, evitando que a doença avance. Em vigor desde 2012, a Lei nº 12.732 (1) do Ministério da Saúde estabelece que o primeiro tratamento oncológico no SUS deve se iniciar no prazo máximo de 60 dias a partir da assinatura do laudo patológico ou em prazo menor, conforme necessidade terapêutica do caso registrada no prontuário do paciente.

Segundo o Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Instituto Nacional do Câncer (INCA), são registrados, em média, 230.000 casos de câncer por ano. No período analisado (Agosto de 2017), das 246 habilitações como UNACON, 91% tinha RHC; Das 44 habilitações como CACON, 100% tem RHC; Dos 8 Hospitais Gerais habilitados com cirurgia oncológica, 50% tem RHC e De hospitais não habilitados 30 tem RHC (2,3). O RHC é um sistema Web desenvolvido pelo INCA para consolidação de dados hospitalares provenientes dos Registros Hospitalares de Câncer de todo o Brasil. Os RHC se caracterizam em centros de coleta, armazenamento, processamento, análise e divulgação de informações de pacientes atendidos em uma unidade hospitalar, com diagnóstico confirmado de câncer. A informação produzida em um RHC reflete o desempenho do corpo clínico na assistência prestada ao paciente, para todos os tipos de câncer (4).

Diagnóstico oportuno

Para estimar o sucesso do tratamento (seja curativo ou paliativo) é essencial avaliar a extensão da doença. Este processo, chamado de estadiamento, é de grande importância pois dele dependerá a estratégia de tratamento. Os métodos usados no estadiamento podem ser clínicos, cirúrgicos e anatomopatológicos. Os índices de cura são superiores nos estadiamentos iniciais, chance que pode cair progressivamente nos estadios seguintes. Os tumores sólidos malignos costumam ser classificados em estádios de I a IV (embora existam outras classificações para certos tumores). Os tumores mais iniciais são classificados como estádio clínico I; os que se encontram em fase intermediária vão para os estádios II e III; e os casos mais avançados, geralmente com disseminação à distância, pertencem ao estádio clínico IV (5).

Método

Realizou-se um estudo descritivo analítico baseado em dados secundários (6). Foram incluídos os registros com data de primeira consulta entre 2009 a 2015, ocorridos no Brasil, registrados no Registro Hospitalar de Câncer, os quais foram extraídos em formato .csv do website do RHC do Instituto Nacional do Câncer do Ministério da Saúde. Optou-se por estudar os últimos 7 anos, por se tratar da mais recente série histórica disponível. Para análise dos dados foi utilizado o Programa Excel 2013 e o programa de Business Intelligence Tableau Public 9.3. Para categorizar os estadiamentos foram utilizados os critérios clínicos (5).

Seguindo as recomendações do INCA (4): Foram incluídos, para o cálculo dos tempos, os registros de casos analíticos, coerentes e validados. Para os intervalos de tempos entre consulta/diagnóstico; diagnóstico/tratamento e consulta/tratamento foram considerados somente os registros sem diagnóstico e sem tratamento anterior. Foram excluídos os registros com datas consideradas inválidas tais como 99/99/9999 e 88/88/8888, as com formatos diferentes de dd/mm/aaaa e ainda as que o diagnóstico tenha sido anterior a 1980. Para o intervalo de tempo entre consulta/diagnóstico foram incluídos somente os registros cujo diagnóstico tenha sido posterior a consulta. Para o intervalo de tempo entre o diagnóstico/tratamento foram incluídos somente os registros cujo tratamento tenha sido posterior ao diagnóstico.

A equipe do Observatório de Oncologia, via Controladoria Geral da União, questionou o INCA sobre o formato de disponibilização dos dados. O próprio Instituto reconhece que disponibiliza relatórios gerenciais somente em formato PDF e não em linguagem compreensível por máquina (CSV, JASON e etc.). A equipe técnica enviou uma resposta oficial, orientando como extrair os dados de seu site. Confira aqui: http://bit.ly/2BgxTr5

Resultados

Foram selecionadas três etapas da jornada do paciente que chega sem diagnóstico e sem tratamento ao serviço especializado: 1. Tempo entre diagnóstico e início do tratamento; 2. Tempo entre primeira consulta e diagnóstico e 3. Tempo entre primeira consulta e início do tratamento. As dimensões analisadas incluem: Região de Residência, Estadiamento e Faixa Etária.

1. Tempo entre diagnóstico e início do tratamento

Segundo a lei (1), o primeiro tratamento oncológico no SUS deve se iniciar no prazo máximo de 60 dias a partir da assinatura do diagnóstico. No Brasil em geral, 20,4% dos casos demoraram, em média, mais de 60 dias para iniciar o tratamento após o diagnóstico. Em relação aos estadiamentos, a porcentagem de casos que conseguiu iniciar o tratamento em até 60 dias foi de: 83% (estadio I), 72% (estadio II e III) e 79% (estadio IV) (4).

Para as regiões de residência do Brasil, em média, o Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Norte e Nordeste apresentaram, respectivamente 15%, 17,5%, 20,5%, 23,57% e 23,46% não conseguiram acesso ao tratamento em até 60 dias após o diagnóstico. No Brasil, 95% das crianças (menores ou igual a 19 anos) conseguiram iniciar o tratamento em até 60 dias após o diagnóstico, enquanto para os adultos esse foi de 79% (4).

2. Tempo entre primeira consulta com especialista do centro de tratamento oncológico e a confirmação do diagnóstico

Embora não exista lei que regulamente o tempo entre consulta e diagnóstico entende-se que a história natural da doença descoberta precocemente costuma ser mais favorável do que na avançada. No Brasil em geral, 20% dos casos demoram, em média, mais de 60 dias para conseguir a assinatura do laudo patológico. Possivelmente a demora em acessar o diagnóstico é decorrente de demora para conseguir agendar e realizar a biópsia do tumor. Em relação aos estadiamentos, a porcentagem de casos que conseguiu a confirmação do diagnóstico em até 60 dias foi de: 77% (estadio I), 80% (estadio II e III) e 88% (estadio IV) (4).

Para as regiões de residência do Brasil, em média, o Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte, apresentaram os melhores índices, respectivamente 16%, 17%, 20%, 26% e 27% não conseguiram a confirmação patológica em até dois meses após a primeira consulta. Nas regiões No Brasil, 92,3% das crianças (menores ou igual a 19 anos) conseguiram o diagnóstico em até dois meses após a primeira consulta, enquanto para os adultos esse número foi de 80% (4).

3. Tempo entre primeira consulta com médico especialista do centro de tratamento oncológico e início do tratamento

A primeira consulta com o especialista é o primeiro passo para buscar o início do tratamento de câncer. No Brasil em geral, 38% dos casos demoram, em média, mais de 60 dias entre a primeira consulta e o início do tratamento. Em relação aos estadiamentos, a porcentagem de casos que conseguiu iniciar o tratamento em até 60 dias foi de: 62% (estadio I), 61% (estadio II e III) e 63% (estadio IV) (4).

Para as regiões de residência do Brasil (2), em média, as regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Nordeste e Norte apresentaram, respectivamente 31,4%, 33,3%, 37,18%, 42,1% e 44% não conseguiram iniciar o tratamento em até dois meses após a primeira consulta. No Brasil, 86,4% das crianças (menores ou igual a 19 anos) conseguiram acesso ao tratamento em até dois meses após a primeira consulta, enquanto para os adultos esse número foi de 61% (4).

Discussão

I. Aspectos Gerais

Apesar da lei dos 60 dias (1) estar vigorando desde 2014, quando comparados os dados antes e após a implantação da lei, o RHC mostra que não houveram mudanças consideráveis no paradigma do acesso ao tratamento oncológico, ou seja, ainda existem casos onde o tempo entre diagnóstico e tratamento é superior a 60 dias. Diferente do estadiamento, a faixa etária e a região de residência são variáveis consideráveis para o acesso ao tratamento oncológico.

II. Fortalecimento do Registro Hospitalar de Câncer em todos os hospitais

A implantação de uma cultura que favoreça a utilização de informações no cotidiano da gestão reverte dados de melhor qualidade para os próprios Sistemas de Informação em Saúde (7). Fortalecer o Registro Hospitalar de Câncer constitui importante alternativa para aprimorar a coleta de dados com maior qualidade, estimular sua utilização e instrumentalizar o desenvolvimento de sistemas locais adequados às necessidades dos municípios, estados e do sistema nacional.

A produção de dados é de grande importância para os sistemas de saúde. Informações são essenciais para a descentralização e o aprimoramento da gestão, bem como para o fortalecimento do controle social da saúde. A disponibilização de informações fortalece e potencializa esforços para o desenvolvimento de novas tecnologias para coleta, produção e análise de dados e, principalmente, do uso das informações no cotidiano da gestão (7).

III. Por que não utilizar dados do SISCAN (Sistema de Informação do Câncer) para este estudo?

O SISCAN é uma plataforma web que integra apenas os Sistemas de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) e do Câncer de Mama (SISMAMA). Este sistema é uma ferramenta de gestão para fortalecer as ações de controle e prevenção destes cânceres. Por ser uma organização não governamental, a ABRALE não tem acesso aos dados do SISCAN (8). O RHC está capitalizado em boa parte da rede de tratamento oncológico, abrange todos os tipos de neoplasias e consolida os registros oriundos de hospitais de todo o Brasil. Portanto para este estudo optou-se por utilizar os dados abertos e publicados na web no site do INCA.

Conclusão

Este estudo nos impulsiona a lutar, no sentido de atingir os padrões de diagnóstico e assistência aos portadores de câncer. A mudança do paradigma na oncologia da saúde pública somente se dará quando houver união entre Estado, organizações não governamentais, instituições filantrópicas, parceiros privados e meios de comunicação. Concomitante a tais articulações, são necessários também, programas de educação permanente e capacitação para os atores que participam do cuidado de um paciente desde a atenção primária até os cuidados oncológicos e, posteriormente, o uso adequado dos postos de saúde e demais equipamentos de saúde.

Fonte dos Dados:
Registro Hospitalar de Câncer do INCA

Referências:
1. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Lei n.º 12.732. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Listas de endereços de RHC em Centros Oncologia. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=351>. Acesso em: 17/07/2017.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação Avaliação e Controle. Coordenação Geral de Sistemas de Informação. Núcleo de Disseminação de Informações em Saúde. Fonte: CNES. Situação em: 23/06/2015.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Registro Hospitalar de Câncer. Integrador RHC. Disponível em: <https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/>. Acesso em: 17/07/2017.
5. Vencer o Câncer. Fernando Cotait Maluf, Antonio Carlos Buzaid e Drauzio Varella, editores. São Paulo: Dendrix, 2014. 512p.
6. Daumas Felix, Janaina, et al. Avaliação da completude das variáveis epidemiológicas do Sistema de Informação sobre Mortalidade em mulheres com óbitos por câncer de mama na Região Sudeste-Brasil (1998 a 2007). Ciência & Saúde Coletiva 17.4 (2012).
7. Brasil. Ministério da Saúde. A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde / Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz. ? Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Sistema de informação do câncer: manual preliminar para apoio à implantação /Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ? Rio de Janeiro: INCA, 2013. 143p.: il.

Notas:
Foram incluídos os registros com data de primeira consulta entre 2009 a 2015, ocorridos no Brasil, registrados no Registro Hospitalar de Câncer de todos os hospitais participantes do RHC
*Existem estabelecimentos de saúde que realizam tratamento para enfermidades oncológicas, e não são habilitados para o cuidado oncológico segundo a Portaria n.º 140, de 27 de fevereiro de 2014, que regulamenta sobre os CACON e UNACON. Ou seja, existem hospitais que tratam câncer mas não são CACON ou UNACON.”