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Quanto custa tratar um paciente com câncer no SUS em 2016

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Diariamente estamos expostos a fatores de risco como alimentação inadequada, inatividade física, aumento do sobrepeso, tabagismo, uso excessivo de álcool e outras drogas. Todos esses fatores propiciaram uma transição epidemiológica com predomínio das doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas o câncer. Os tratamentos contra o câncer representam alto custo para os sistemas de saúde brasileiros. Gestores reconhecem que as despesas com o tratamento de câncer vêm crescendo de modo preocupante e buscam alternativas para a minimização de seus custos.

A chegada de novas terapias, equipamentos e medicamentos somados ao envelhecimento da população são fatores que terão grande impacto nos custos do tratamento do câncer nos próximos anos. Um estudo baseado em dados de usuários de um plano de saúde privado estimou que, entre 2008 e 2010, o tratamento do câncer em estágios avançados seria quase oito vezes mais caro do que se esses mesmos pacientes tivessem detectado a doença na fase inicial. As projeções indicaram que os custos de tratamento seriam sete vezes maiores do que as despesas com ações de prevenção. Um dos problemas identificados é que se atua em uma fase tardia da doença, onde os sintomas e sinais já estão instalados(1).

Objetivos

Identificar os custos diretos do tratamento ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia, quimioterapia (QT) e radioterapia (RT) para pacientes com Câncer de Mama HER-2 Negativo com Receptor Hormonal Positivo (RH+) (C50); Câncer de Cólon (C18); Câncer de Reto (C20); Câncer de Pulmão não pequenas células (C34) e Linfoma de Hodgkin (C81) sob a perspectiva do pagador público, via Sistema Único de Saúde (SUS). Mostrar que o tratamento com cirurgia, QT e RT tem menor custo nos estadios iniciais.

Material e Métodos

Pesquisa quantitativa considerando os perfis de estadiamentos mais frequentes para o tratamento de câncer de mama HER-2 Negativo com RH+ (C50) em uma mulher adulta com o peso de 61kg, e para as demais patologias (C18; C20; C34; C81), um paciente adulto de 70kg em tratamento no SUS. Foram consideradas as linhas de cuidado e procedimentos indicados pela literatura científica e prática do Colégio Brasileiro de Radiologia(3) e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo(4). As informações financeiras provieram do SIGTAP (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS) e Tabela CMED de preços máximos de medicamentos por princípio ativo, para compras públicas a preço fábrica (pf) e preço máximo de venda ao governo (pmvg) da ANVISA, utilizada para calcular a média de preço por miligrama (mg) dos fármacos utilizados na quimioterapia. O valor utilizado para cada uma das cirurgias oncológicas foi consolidado através do custo médio dos procedimentos cirúrgicos em oncologia realizados para as determinadas neoplasias. Valores calculados sob a alíquota de ICMS de 18%. Para realização dos cálculos, utilizou-se a moeda brasileira (R$).

Resultados

 

Em 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma análise das APAC (Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade) processadas no mesmo ano e revelou que 60,5% dos pacientes foram diagnosticados em estadiamento avançado, níveis 3 e 4(5). Mesmo tumores pequenos representam manifestações de transformações malignas ocorridas muitos anos antes.

O custo médio para o tratamento cirúrgico e ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia oncológica, QT e RT para pacientes com Câncer de pulmão não pequenas células no estadiamento I, considerando Tumor < 4cm com Linfonodos Negativos, a cirurgia isolada correspondeu a R$ 3.757,61; o valor para o estadiamento II com Tumor > 4cm e Linfonodos Negativos, em relação a cirurgia + QT (cisplatina + etoposídeo) correspondeu a R$ 5.309,95; enquanto no estadiamento III um tumor irressecável ou com Linfonodos Positivos, a QT (cisplatina + etoposídeo) + RT (60cGy em 30 frações) correspondeu a R$ 2.722,34.

O custo médio para o tratamento cirúrgico e ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia oncológica, QT e RT para pacientes com Câncer de reto no estadiamento I, considerando T1 com Linfonodos Negativo, a cirurgia isolada correspondeu a R$ 4.033,24; o valor para o estadiamento II com T2 e Linfonodos Negativo, em relação a RT (25 cGy em 5 frações – 1 campo/dia) + QT (capecitabina por 5 semanas) + cirurgia correspondeu a R$ 6.391,96; enquanto no estadiamento III com T3 ou Linfonodos Positivo, a RT (25 cGy em 5 frações – 1 campo/dia) + QT (capecitabina por 5 semanas), seguido de cirurgia + QT (mFOLFOX6 = oxaliplatina + leucovorin + fluoruracila) correspondeu a R$ 78.970,21.

O custo médio para o tratamento cirúrgico e ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia oncológica e QT para pacientes com Câncer de cólon no estadiamento I, considerando T1/T2 com Linfonodos Negativos, a cirurgia isolada correspondeu a R$ 4.156,29; o valor para o estadiamento II com T3/T4 e Linfonodos Negativos em relação a cirurgia + QT (FULV = leucovorin + fluoruracila) correspondeu a R$ 4.484,98; enquanto no estadiamento III com Linfonodos Positivos, a cirurgia + QT (mFOLFOX6 = oxaliplatina + leucovorin + fluoruracila) correspondeu a R$ 76.734,54.

O custo médio para o tratamento cirúrgico e ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia oncológica, QT e RT para pacientes com Câncer de Mama HER-2 Negativo com RH+ em mulheres na pré-menopausa no estadiamento I, considerando Linfonodos Negativos/ > 40 anos/T1, a cirurgia + Tamoxifeno por 5 anos correspondeu a R$ 11.372,80; o valor para o estadiamento II, com Linfonodos Negativos/< 40 anos/T2, em relação a cirurgia + QT (TC = docetaxel + ciclofosfamida) + Tamoxifeno por 5 anos correspondeu a R$ 34.305,90; enquanto no estadiamento III, com Linfonodos Positivos, a cirurgia + QT (AC-T = docetaxel + ciclofosfamida + paclitaxel) + Tamoxifeno por 5 anos correspondeu a R$ 55.125,45.

O custo médio para o tratamento cirúrgico e ambulatorial de primeira linha em relação a cirurgia oncológica, QT e RT para pacientes com Câncer de Mama HER-2 Negativo com RH+ em mulheres na pós-menopausa no estadiamento I, considerando Linfonodos Negativos/ > 40 anos/T1, a cirurgia + inibidor de aromatase (anastrazol) por 5 anos, correspondeu a R$ 49.488,35; o valor para o estadiamento II com Linfonodos Negativos/< 40 anos/T2, em relação a cirurgia + QT (TC = docetaxel + ciclofosfamida) + inibidor de aromatase (anastrazol) por 5 anos correspondeu a R$ 72.421,45; enquanto no estadiamento III com Linfonodos Positivos, a cirurgia + QT (AC-T = docetaxel + ciclofosfamida + paclitaxel) + inibidor de aromatase (anastrazol) por 5 anos correspondeu a R$ 93.241,01.

O custo médio para o tratamento ambulatorial de primeira linha em relação a QT e RT para pacientes com Linfoma de Hodgkin no estadiamento Limitado Favorável (I e II), QT 4 ciclos (ABVD = doxorrubicina + bleomicina + vimblastina + dacarbazina) + RT (2000cGy) correspondeu a R$ 8.510,06; o valor para o estadiamento Limitado Desfavorável (III e IV), QT 4 ciclos (ABVD = doxorrubicina + bleomicina + vimblastina + dacarbazina) + RT (3000cGy) correspondeu a R$ 8.860,06, enquanto no estadiamento Avançado (V) QT 6 ciclos (ABVD = doxorrubicina + bleomicina + vimblastina + dacarbazina) o valor é de R$ 11.655,09.

Discussão

O câncer pode ser definido como uma proliferação anormal e descontrolada de células oriundas de uma célula previamente normal, que sofreu uma ou mais mutações e que tem a capacidade de se espalhar pelo organismo. O motivo pelo qual a detecção precoce é tão enfatizada pelos médicos, é porque quando o câncer é removido no início, o risco de que ele possa liberar na circulação sanguínea células com capacidade de se espalhar para outros órgãos é menor. Feito o diagnóstico, é de primordial importância avaliar a extensão da doença (estadiamento), pois dele dependerá a estratégia do tratamento. O estadiamento é importante para estimar o êxito no tratamento, pois a cura dos pacientes com câncer em estadios iniciais é uma realidade.

É importante apontar que a análise completa do custo de tratamento de um paciente com câncer depende de probabilidades definidas pela história natural da doença. Neste estudo, exceto para câncer de pulmão não pequenas células, os custos do tratamento de primeira linha, considerando os procedimentos indicados pela literatura científica escolhida se mostraram maiores para o estadiamento avançado de câncer. Os gastos crescentes relacionados à terapia antineoplásica têm se constituído em foco de atenção dos gestores dos sistemas de saúde público e privado, no sentido de encontrar alternativas a fim de reduzi-los.

Na maioria dos casos, o custo do tratamento de um paciente com neoplasia avançada pode cobrir outros tratamentos de estadiamentos iniciais. Embora o tratamento de câncer de pulmão não pequenas células seja mais barato nos estadios avançados, a alta mortalidade não justifica o diagnóstico tardio.

Por ser uma organização não governamental, a ABRALE não tem acesso a todos os custos envolvidos no tratamento, sendo que o custo pode variar entre as instituições de tratamento. Utilizar dados disponíveis e abertos foi a opção para se estimar quanto um paciente com câncer gastou em função de um diagnóstico precoce ou tardio.

Outra limitação foi utilizarmos para o cálculo apenas um protocolo terapêutico para cada patologia. Sabemos que as formas de cuidar variam entre diferentes serviços de tratamento, porém a proporcionalidade entre o custo de pacientes em estadios iniciais e avançados deve se manter.

A princípio, pacientes em estadios avançados são mais intensamente tratados do que os em estadios iniciais. Os protocolos de tratamento selecionados para este estudo podem não se encaixar nas diferentes dimensões do sistema público de saúde. Mesmo assim, este estudo contribui para a esfera de conhecimento dos custos de um paciente oncológico, permitindo avaliar estratégias para fortalecimento do diagnóstico.

Conclusão

Infelizmente, no Brasil são escassos os estudos que abordam custos na área de onco-hematologia e oncologia, entretanto, observamos que o custo médio dos fármacos é o mais impactante no tratamento de um paciente oncológico. Grande parte dos custos é decorrente de tratamento de estadios mais avançados, que demandam maior quantidade de procedimentos e medicamentos.

É possível concluir que o diagnóstico precoce é importante tanto para salvar vidas quanto por questões financeiras. Este estudo nos impulsiona a lutar, no sentido de atingir os padrões de diagnóstico e assistência aos portadores de câncer. A mudança do paradigma do cuidado oncológico na saúde pública somente se dará quando houver união entre estado, organizações não governamentais, instituições filantrópicas, parceiros privados e meios de comunicação. Concomitante a tais articulações, são necessários também, programas de educação permanente e capacitação para os atores que participam do cuidado de um paciente desde a atenção primária até os cuidados oncológicos e, posteriormente, o uso adequado dos postos de saúde e demais equipamentos de saúde.

Referências:
1.Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Agência Inca de Notícias. Custo de tratamento do câncer aumentará oito vezes nos próximos dois anos e sairá sete vezes mais caro que ações de prevenção.
2.IBGE ? Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 ? POF. Rio de Janeiro, 2009.
3.Critérios de adequação de exames de imagem e radioterapia / coordenação geral: Aldemir Humberto Soares; tradutora: Angela Caracik. São Paulo: Colégio Brasileiro de Radiologia, 2005
4.Manual de condutas em oncologia. Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira. São Paulo, 2010.
5.TCU. Relatório de Auditoria Operacional na Política Nacional de Atenção Oncológica (TC no 031.944/20108) [Internet]. 2010.

Fonte dos Dados:
Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS – SIGTAP. Disponível em: <http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp>. Acesso em agosto de 2016.

ANVISA. Preços máximos de medicamentos por princípio ativo, para compras públicas preço fábrica (pf) e preço máximo de venda ao governo (pmvg). Tabela CMED. Atualizada em: 20 de junho de 2016. Disponível em: <http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/f6>. Acesso em agosto de 2016.



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