Há bem pouco tempo, quando se falava em câncer, o discurso da saúde pública classificava os riscos de desenvolver a doença em duas categorias: os fatores ambientais e os resultantes de determinados estilos de vida (tabagismo, sedentarismo, etc.). Atualmente, porém, o avanço das pesquisas genômicas fez emergir uma terceira categoria: o risco genético. Se fatores de risco ambientais estão relacionados às exposições sofridas pelo indivíduo, em geral de maneira involuntária, e os estilos de vida são, aparentemente, escolhas ou opções que a pessoa adota por querer, o risco genético é algo que está no corpo do indivíduo e do qual ele não pode se desassociar.

É importante salientar que a hereditariedade não é, em geral, a causa do câncer, mas sabemos que a chance de um indivíduo desenvolver certos tipos de câncer tem uma forte relação com a carga genética, ou seja, ele decorre de alterações em oncogenes*, em genes pertencentes ao grupo supressor tumoral ou em genes do grupo que repara o DNA. Muitos desses genes já foram descobertos, identificados e relacionados a cânceres específicos e esses achados proporcionaram a utilização de novos métodos de diagnóstico e tratamento para diversos tipos de neoplasias.

Portanto, a hereditariedade, então, exerce um papel fundamental na etiologia do câncer. Uma vez descobertos os genes responsáveis pelas diversas neoplasias hereditárias, pode-se traçar condutas mais apropriadas tanto do ponto de vista diagnóstico, quanto terapêutico para cada paciente, o que pode ser crucial para o seu prognóstico. Para isso, o aconselhamento genético é fundamental nesses casos, proporcionando medidas adequadas a fim de reduzir a mobi-mortalidade** e melhorar a qualidade de vida do paciente em questão.

 

Mas e o que é um Aconselhamento Genético?

As famílias que possuem algum membro acometido por câncer devem ser instruídas quanto à possibilidade deste ser herdado e sobre a realização de um diagnóstico precoce, fazendo com que as chances de cura em um provável desenvolvimento de uma neoplasia sejam elevadas.

Em outras palavras, o aconselhamento genético nada mais é que um método utilizado para detecção pré-sintomática e prevenção de doenças genéticas para que se possa iniciar um tratamento precoce e evitar ou atenuar consequências mais graves das doenças. Alguns centros e hospitais privados que são referência na oncologia já disponibilizam testes com integrantes da família para que seja investigada a existência de alguma dessas mutações genéticas.  Se tais alterações são encontradas, os médicos podem adotar medidas que diminuam o risco de desenvolvimento da doença ou aumentem as chances de sucesso do tratamento.

Infelizmente, atualmente no Brasil, o aconselhamento genético não está disponível para a maioria da população, por conta de uma série de custos envolvidos com esses testes, mas, alguns especialistas afirmam que, do ponto de vista financeiro, trabalhar a prevenção é bem mais barato do que tratar um câncer em estágio avançado, por exemplo, é isso já é um grande argumento para inclusão desse procedimento no Sistema Único de Saúde (SUS).

Presente X Futuro

Quando se fala de incidência, estima-se que 5% a 10% dos tumores malignos sejam de origem hereditária. Contudo, já sabemos que a ocorrência de vários casos de câncer em uma única família pode estar relacionada às alterações (mutações) que aumentam o risco de desenvolvimento da doença e, por conta disso, vamos detalhar, a seguir, os tipos de câncer que mais têm associação com a hereditariedade atualmente.

De 2002 até 2017, houve um aumento de 139% dos casos novos de câncer de próstata. Segundo as projeções estatísticas, em 12 anos o número de casos aumentará em 55%, saltando de 61.200 em 2017 para 94.652 em 2029, ano em que o câncer será a primeira causa de morte no Brasil. A hereditariedade pode explicar a grande proporção dessa doença entre os homens jovens, ocorrendo em 10% a 20% dos casos deste tipo de câncer. Na América Latina, o câncer de próstata é a principal causa de morte entre os homens, com cerca de 51.000 mortes por ano.

No mesmo período, também houve um aumento de 45% de novos casos de câncer de cólon e reto. No ano de 2029, os casos aumentarão 32%, saltando de 34.280 em 2017 para 45.293. O câncer de cólon se desenvolve por conta de diversos fatores em cerca de 80% dos pacientes e, os 20% restantes, possuem componentes genéticos hereditários.

Ainda entre 2002 e 2017, houve um aumento de 61% dos casos novos de câncer de mama feminino. Em 2017 esse número será de 57.960 e, em 2029, de 71.618, tendo um aumento de 24%. Mulheres com determinadas mutações genéticas possuem cerca de 85% de chance de desenvolverem um carcinoma de mama durante sua vida.

O Instituto Nacional do Câncer (INCA) só começou a estimar os novos casos de câncer de ovário em 2012. Estima-se que o número de casos de câncer de ovário diminua 2% até 2029. Porém, mutações genéticas ocorrem em, aproximadamente, 90% dos cânceres em mulheres com histórico familiar de câncer ovariano.

O comportamento do câncer gástrico apresenta o melhor cenário desde 2002 com uma incidência pouco oscilante e conta com uma redução de 9% dos casos para os próximos 12 anos, despencando de 20.520 em 2017 para 18.710 em 2029. Muitos estudos correlacionaram o desenvolvimento do câncer gástrico com os antígenos sanguíneos ABO. Um estudo recente, entretanto, mostrou que o grupo sanguíneo A é mais fortemente associado ao tipo difuso deste tipo de câncer. O mesmo estudo provou significativa relação entre o grupo sanguíneo O e o desenvolvimento de câncer gástrico antes dos 50 anos.

Por fim, o câncer tireoidiano apresenta uma redução de 8% em novos casos, caindo de 6.690 em 2017 para 6.373 em 2029. O câncer de tireóide é o tipo mais raro de neoplasias e a faixa etária de maior risco é de 25 e 65 anos. Os casos de câncer tireoidiano hereditário estão significativamente associados a mutações genéticas.

Fonte dos dados:
Estimativas Instituto Nacional do Câncer (2002-2017)

Referências:
1. Dantas, E. L. R., et al. “Genética do câncer hereditário.” Rev Bras Cancerol 55.3 (2009): 263-9.
2. A.C. Camargo Câncer Center, disponível online em: <http://www.accamargo.org.br/especialidades/oncogenetica/38/?gclid=CIeTrIj97NECFQwHkQodyzMNKg>

Notas:
* Genes relacionados com o surgimento de tumores, sejam malignos ou benignos, bem como genes que quando deixam de funcionar normalmente, transformam uma célula normal em uma célula cancerosa.
**Relação entre o número de casos de enfermidade ou de morte com o número de habitantes em dado lugar e momento.
– Para estimar os casos de Câncer de Ovário e Câncer Tireoidiano anterior a 2012 foi utilizada a função estatística de tendência. Por tendência entende-se o exame de resultados passados e a detecção de um padrão de eventos.
– Para estimar os casos a partir de 2017, foi utilizada a função estatística de projeção. Por projeção entende-se a predição de algo que pode ocorrer no futuro. Trata-se de predizer um comportamento futuro, seja explorando um comportamento passado, seja valendo de algum outro parâmetro de desempenho.



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