ESTUDO:

Câncer antes dos 50: como os dados podem ajudar nas políticas de prevenção?

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Introdução:

No Brasil, estima-se que em 2018 tenham incididos 634.880 casos de câncer (INCA, 2017). Em 2017, as neoplasias malignas foram responsáveis por 221.821 óbitos, sendo a segunda causa de mortalidade do país, atrás apenas das doenças cardiovasculares (DATASUS, 2019). Em virtude desta grande incidência e mortalidade na população brasileira, ações que visem o controle e a redução do impacto do câncer sobre a população são de grande interesse da saúde pública.

O desenvolvimento do câncer é um processo complexo que ocorre durante um longo período de tempo. Durante o envelhecimento, há o acumulo de mutações somáticas decorrentes da exposição a agentes, endógenos e exógenos, que danificam o DNA durante toda a vida. Tais mutações são determinantes para a o processo de carcinogênese (DePinho, 2000). Além do envelhecimento, hábitos relacionados ao estilo de vida, como tabagismo, sedentarismo, consumo de álcool e dieta, também configuram um importante fator de risco para os diversos tipos de câncer (Clarke e Joshu, 2017; Katzke et al, 2018).

Tanto a idade quanto os fatores de risco associados ao estilo de vida afetam os indicadores de morbimortalidade do câncer. A incidência da grande maioria das neoplasias aumenta com o avançar da idade, portanto o processo de envelhecimento da população brasileira implica diretamente no aumento da incidência de câncer na população em geral (White et al, 2014). No que se refere aos hábitos relacionados ao estilo de vida, estes aumentam o risco individual para o desenvolvimento de neoplasias, uma vez que favorecem o acúmulo de mutações somáticas em momento cruciais do processo de carcinogênese (Hanahan e Weinberg, 2011; Clarke e Joshu, 2017). Em um estudo recente, Rezende e colaboradores estimaram que os fatores de risco relacionados ao estilo de vida estão associados a cerca de 27% dos casos e 34% dos óbitos por câncer no Brasil, o que representa um total de 114.565 mil novos casos e 63.417 óbitos (Rezende et al, 2019).

Apesar da estreita relação entre o envelhecimento e o desenvolvimento de câncer, estudos recentes vêm demonstrando o aumento da incidência de câncer na população com menos de 50 anos de idade nas últimas duas décadas (Printz, 2015; Sung et al, 2019; Vuik et al, 2019). A incidência de câncer nas faixas etárias mais jovens está associada a hábitos relacionados ao estilo de vida, visto que estes podem acelerar o processo de carcinogênese (Clarke e Joshu, 2017, Sung et al, 2019).

A avaliação dos indicadores de morbimortalidade do câncer, bem como o conhecimento de sua epidemiologia, é crucial para a compreensão do seu impacto na população brasileira e assim estabelecer políticas públicas de promoção da saúde, prevenção e tratamento que visem o controle do câncer, bem como para avaliar a eficácia destas medidas (Ellis et al, 2014).  Logo, a avaliação dos indicadores de morbimortalidade por câncer na população com menos de 50 anos de idade possui grande relevância para a saúde pública, haja vista que a evolução de tais indicadores nesta população reflete a exposição destes indivíduos a fatores de risco relacionados ao estilo de vida e que a adoção de hábitos saudáveis é uma das principais formas de prevenção de câncer (Rezende et al, 2019).

Diante da importância da avaliação dos indicadores de morbimortalidade de câncer, em especial na população com idade menor que 50 anos, na elaboração de políticas públicas de prevenção e controle, o presente estudo objetivou avaliar a evolução das taxas de incidência e mortalidade dos principais tipos de cânceres, na população nas faixas etárias de 20 a 49 anos e 50 anos de idade ou mais.

Metodologia:

O presente estudo é um estudo epidemiológico, retrospectivo, longitudinal de delineamento ecológico, a partir de bases de dados secundários e abertos do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e do Instituto Nacional do Câncer José Alencar de Gomes da Silva (INCA).

A seleção dos tipos de cânceres incluídos nesta investigação foi realizada com base nos cânceres avaliados pelo INCA nas Estimativas de Incidência do Câncer. Foram incluídos os seguintes tipos de cânceres, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID 10): 1- Todas as neoplasias (C00 a C97; D46); 2- Câncer de cavidade oral (C00- C10); 3- Câncer de esôfago (C15); 4- Câncer de estômago (C16); 5- Câncer de cólon e reto (C18-C21); 6- Câncer de laringe (C32); 7- Câncer de traqueia, brônquio e pulmão (C33-C34); 8- Melanoma maligno da pele (C43); 9- Outras neoplasias malignas da pele (C44); 10- Câncer de mama feminina (C50); 11- Câncer do colo do útero (C53); 12- Câncer do corpo do útero (C54); 13- Câncer de ovário (C56); 14- Câncer de próstata (C61); 15- Câncer de bexiga (C67); 16- Câncer do sistema nervoso centra (SNC) (C70-C72); 17- Câncer da glândula tireoide (C73); 18- Linfoma de Hodgkin (C81); 19- Linfoma não- Hodgkin (C82-C85; C96) e 20- Leucemias (C91-C95).

As taxas brutas de mortalidade dos estados brasileiros pelos tipos de cânceres avaliados, por faixa etária, no período de 1997 e 2016, foram obtidas através do tabulador do Atlas On-line de Mortalidade do INCA.  As taxas brutas de incidência foram calculadas a partir dos dados dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) do INCA. A incidência dos cânceres avaliados, de cada um dos centros registradores do RCBP, por faixa etária, no período de 1997 e 2016, foram obtidos através do tabulador das informações do RCBP. A taxa bruta de incidência para cada um dos centros registrados do RCBP foi calculada a partir da incidência dos cânceres avaliados e dos dados populacionais das cidades que compõe cada um dos centros registradores do RCBP.

A referência populacional das cidades que compõe cada um dos centros registradores do RCBP utilizadas como denominadores para o cálculo das taxas de incidência foram as mesmas utilizadas pelo Atlas On-line de Mortalidade, para o cálculo das taxas de mortalidade e obtidas através do DATASUS. Desta forma, para os anos de 1997 a 1999 foram utilizadas as estimativas populacionais intercensitárias (1979 a 1999), para os anos de 2000 a 2013, foram utilizadas as estimativas preliminares efetuadas por estudo patrocinado pela Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), para os anos de 2014 a 2015 foram utilizadas as estimativas preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/CGIAE e finalmente, para o ano de 2016 foi utilizada a população do ano de 2015.

Tendo em vista o objetivo de avaliar a evolução da incidência e mortalidade por câncer de acordo com a faixa etária, as taxas brutas de incidência e mortalidade foram calculadas para as faixas etárias de 20 a 49 anos e 50 anos ou mais.

A evolução das taxas de mortalidade dos estados brasileiros e das taxas de incidência dos centros registradores do RCBP durante o período de 1997 a 2016 foi analisada por meio do modelo estatístico de Equações de Estimativas Generalizadas. O nível de significância adotado na análise foi de 5%.

 

 

Resultados:

Entre 1997 e 2016, na população com idade entre 20 e 49 anos houve o aumento das taxas brutas de incidência dos centros registradores do RCBP dos cânceres de cólon e reto (Wald= 15,366, p<0,001), próstata (Wald= 17.382, p<0,001) e glândula tireoide (Wald= 17,132, p<0,001), houve também o aumento das taxas brutas de mortalidade dos estados brasileiros por todas as neoplasias (Wald= 8,178, p<0,01) e pelos cânceres de cavidade oral (Wald=4,670, p<0,05), cólon e reto (Wald= 59,956, p<0,001), mama (Wald= 36,653, p<0,001), colo do útero (Wald=6,479, p<0,05), corpo do útero (Wald= 18,536, p<0,001), ovário (Wald= 21,442, p<0,001), SNC (Wald= 12,255, p<0,001) e linfoma não- Hodgkin (Wald= 5,057, p<0,05). Para os demais tipos de cânceres não houve aumento das taxas brutas de incidência nem de mortalidade na população na faixa etária de 20 a 49 anos.

Com relação aos cânceres que apresentaram aumento das taxas brutas de incidência, na população com idade entre 20 e 49 anos, o incremento médio anual foi de 3,4% para o câncer de cólon e reto (ExpB= 1,034, IC= 1,017 – 1,052), de 5,2% para o câncer de próstata (ExpB= 1,052, IC= 1,027 – 1,077) e 8,8% para o câncer de glândula tireoide (ExpB= 1,088, IC= 1,046 – 1,113). No que se refere aos cânceres que apresentaram o aumento das taxas brutas de mortalidade, na população com idade entre 20 e 49 anos, o incremento médio anual foi de 0,8% para mortalidade por todas as neoplasias (ExpB=1,008, IC=1,003 – 1,0014), 1,2% para o câncer de cavidade oral (ExpB=1,012, IC= 1,001 – 1,024), 3,2% para o câncer de cólon e reto (ExpB=1,032, IC= 1,024 – 1,041), 2,5% para o câncer de mama (ExpB=1,025, IC= 1,017 – 1,034), 1,0% para o câncer de colo do útero (ExpB= 1,010, IC= 1,002 – 1,018), 4,2% para o câncer de corpo do útero (ExpB=1,042, IC= 1,022 – 1,061), 2,6% do câncer de ovário (ExpB=1,026, IC= 1,015 – 1,037), 1,4% para o câncer do SNC (ExpB=1,014, IC= 1,006 – 1,022) e 0,9% para o linfoma- não Hodgkin (ExpB=1,009, IC= 1,001 – 1,017).

Para visualizar os gráficos dos resultados, clique aqui.

Discussão:

Nossos resultados demonstraram que, na população de 20 a 49 anos, houve aumento da mortalidade por todas as neoplasias e pelos cânceres de cavidade oral, mama, colo e corpo do útero, SNC e linfoma não- Hodgkin. Houve aumento da incidência dos cânceres de próstata e da glândula tiroide. O câncer de cólon e reto, por sua vez, apresentou o aumento tanto da incidência quanto da mortalidade.

O aumento das taxas de incidência e mortalidade por câncer na população com menos de 50 anos evidenciado pelo presente estudo demonstra que, embora o câncer esteja diretamente relacionado ao envelhecimento e que muitas vezes este aumento da morbimortalidade por câncer seja tratado como indicador de envelhecimento populacional e desenvolvimento social, nas últimas décadas as neoplasias malignas vêm impactando, de forma crescente, parte expressiva da população em idade economicamente ativa (Sung et al, 2019). Esta situação é particularmente importante se considerarmos que todos os cânceres analisados que apresentaram aumento da incidência ou da mortalidade na população com menos de 50 anos estão fortemente associados com um ou mais fatores de risco relacionados ao estilo de vida (Scheideler e Klein, 2015; Lauby-Secretan et al, 2016). Desse modo, parte significativa dos casos incidentes e óbitos por câncer nesta população poderiam ter sido evitados.

Dentre os principais fatores de risco relacionados ao estilo de vida associados aos cânceres cuja incidência ou mortalidade na população com menos de 50 anos aumentaram no período analisado, podemos destacar o tabagismo (Gandini, 2008; De Nunzio et al, 2015; Macau et al, 2015) o consumo de álcool (Bagnardi et al, 2015; Scheideler e Klein, 2015; Jayasekara et al, 2016) e a obesidade (Larsson e Wolk, 2007; Sargetanis et al, 2015; Lauby-Secretan et al, 2016).
O tabagismo ainda é um hábito comum na população brasileira, contudo a fumaça do cigarro libera várias substancias químicas, algumas das quais são classificadas pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (International Agency for Research on Cancer- IARC), da Organização Mundial da Saúde, como substâncias carcinogênicas para humanos (Grupo 1 da lista de agentes Classificados pela INPC), dentre elas podemos citar o Formaldeído e Benzeno (Ashok e Jethwa, 2017; IARC, 2019). Tais substancias carcinogênicas possuem a capacidade de causar alterações nos mecanismos de replicação e reparo do DNA, além de aumentar o estresse oxidativo, acarretando assim no acúmulo de mutações somáticas que resultam no desenvolvimento de neoplasias (Ashok e Jethwa, 2017).

O tabagismo é um dos principais fatores de risco para os cânceres de pulmão, cavidade oral e laringe (Gandini, 2008), mas também está associado à incidência dos cânceres de cólon e reto, mama, próstata e tireoide (De Nunzio et al, 2015; Macau et al; 2015; Stansifer et al, 2015; Yang et al, 2016). Dados do Sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (VIGITEL) indicam que entre 2010 e 2017 houve uma redução da proporção da população tabagista, entre 18 e 44 anos, nas capitais brasileiras, em decorrência do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (VIGITEL,2010; 2017; Romero e Costa e Silva, 2011). Embora as políticas antitabagistas tenham obtido grande sucesso na redução do consumo do tabaco, o tabagismo ainda é o fator de risco relacionado ao estilo de vida que mais impacta na morbimortalidade do câncer no Brasil, sendo atribuído a ele, 15,5% da incidência e 21,4% dos óbitos por câncer no pais, o que corresponde, respectivamente, a 67.011 e 40.311 casos (Rezende et al, 2019). Desta forma, é possível que o tabagismo esteja associado ao aumento das taxas brutas de incidências dos cânceres de cólon e reto, próstata e tireoide, além das taxas brutas de mortalidade dos canceres de cavidade oral, cólon e reto e mama, na população com menos de 50 anos, observados no estudo.

O álcool também é um importante fator de risco para o desenvolvimento de câncer sendo classificado pela IARC como substância carcinogênica do grupo I para humanos (IARC, 2019). O mecanismo pelo qual o álcool atua como um agente carcinogênico envolve o acúmulo de mutações somáticas decorrentes do processo inflamatório ocasionado pelas lesões diretas da mucosa do trato gastrointestinal, devido ao efeito irritante do álcool, e da produção de substancias carcinogênicas, especialmente o Acetaldeído, a partir do seu metabolismo (Seitz e Becker, 2007). O álcool está fortemente associado à incidência e mortalidade dos cânceres do trato gastrointestinal, como os cânceres de cavidade oral, esôfago, estômago e cólon e reto, mas também está associado aos cânceres de mama e próstata (Cai et al, 2014; Jayasekara et al, 2016, Zhao et al, 2016).
Dados divulgados pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) na publicação Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2019, indicam que, embora a média de consumo per capta de bebidas alcóolicas tenha reduzido 11% nos últimos 6 anos, o consumo de álcool no Brasil, 7,8 L per capta, ainda está acima da média mundial, 6,4 L per capta (CISA, 2019). Além disso, segundo dados do VIGITEL, a proporção da população das capitais brasileiras, entre 18 e 44 anos, que relatou consumo abusivo de álcool nos últimos 30 dias aumentou entre 2010 e 2017 (VIGITEL,2010; 2017). Este padrão de consumo de álcool, especialmente na população com menos de 50 anos, pode estar associado com o aumento das taxas de incidência dos cânceres de cólon e reto e próstata, bem como com o aumento das taxas de mortalidade dos cânceres de cavidade oral, cólon e reto e mama na população com menos de 50 anos, observados neste estudo.

A obesidade, por sua vez, pode favorecer o desenvolvimento de câncer em consequência do acumulo de mutações somáticas decorrentes do estado inflamatório, caracterizado pela liberação de citocinas pró-inflamatórias e espécies reativas de oxigênio, além de alterações na liberação de fatores de crescimento celular e hormonais (Corrêa et al, 2019). Em nosso estudo, com exceção do câncer de cavidade oral, a obesidade é fator de risco para todos os cânceres que apresentaram aumento da incidência ou mortalidade (Larsson e Wolk, 2007; Sargetanis et al, 2015; Lauby-Secretan et al, 2016).

Em um estudo recente, Sung e colaboradores (2019) evidenciaram o aumento da incidência em sete tipos de câncer associados à obesidade, sendo os cânceres de cólon e reto, corpo uterino, vesícula biliar, rim, pâncreas, tireoide e mieloma múltiplo. Em nosso estudo, evidenciamos aumento da incidência apenas dos cânceres de cólon e reto, próstata e tireoide. Sung e colaboradores (2019) evidenciaram ainda que o aumento da incidência dos cânceres relacionados com a obesidade na população com menos de 50 anos, com exceção do câncer de tireoide, ocorreu em magnitude maior do que na população com mais de 50 anos. Em nosso estudo, nenhum dos cânceres que tiveram aumento da taxa bruta da incidência ou da mortalidade na população com menos de 50 anos apresentou aumento superior ao da faixa etária de 50 anos ou mais. Tais diferenças entre os resultados dos estudos devem-se, em parte, ao fato de que a prevalência da obesidade é maior na população americana em comparação à brasileira (Ng et al, 2014).

Além de favorecer a incidência de diversos tipos de neoplasia, a obesidade também é um importante fator de risco para a sobrevida do câncer (Parekh et al, 2012). Um estudo de coorte com a população americana evidenciou que a obesidade está associada à maior mortalidade geral por câncer e também pelos cânceres de cólon e reto, mama, colo e corpo do útero, ovários, próstata e linfoma não- Hodgkin (Eugenia et al, 2003). Tais cânceres, com exceção do câncer de próstata, são os mesmos que apresentaram aumento da mortalidade em nosso estudo.

Ainda no que tange a mortalidade, um achado do presente estudo que merece destaque refere-se à mortalidade dos cânceres femininos. Para todas as neoplasias femininas houve aumento da mortalidade e, embora não seja estatisticamente significante, o crescimento da mortalidade entre as mulheres de 20 a 49 anos foi superior à das mulheres com 50 anos ou mais. Apesar da influência dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida, em especial a obesidade, sobre mortalidade pelos cânceres femininos (Eugenia et al, 2013), este aumento pode refletir dificuldades de acesso aos serviços de saúde (Oliveira et al, 2011). Visto que as faixas etárias mais jovens muitas vezes não são o alvo de políticas de prevenção e rastreios destes cânceres e, estas não atingem a mesma eficácia observada nas faixas etárias mais velhas (Gnerlich et al, 2009). Este fato pode ser corroborado ainda pela redução da incidência do câncer de colo de útero nas mulheres entre 20 e 49 anos ter sido, estatisticamente significante, menor do que o das mulheres com mais de 50 anos, demonstrando que as ações de prevenção e rastreamento deste câncer têm apresentado maior aderência entre as mulheres mais velhas.

Atualmente, os fatores de risco relacionados ao estilo de vida representam um grande desafio para o controle do câncer. Nossos resultados expõem a necessidade de políticas públicas de saúde voltadas para a prevenção do câncer, com foco na promoção da saúde, através da adoção de hábitos de vida saudáveis, de modo a minimizar o impacto dos fatores de risco como a obesidade, tabagismo e consumo de álcool. As políticas de prevenção têm um potencial de impacto muito maior na população mais jovem, uma vez que se evita a exposição prolongada aos fatores de risco que favorecem o processo de carcinogênese, reduzindo assim a morbimortalidade do câncer não apenas na faixa etária mais jovem, mas também quando esta população se tornar idosa, período no qual o risco para o desenvolvimento de câncer é naturalmente maior (Holman et al, 2014; White et al, 2014).

Outro aspecto importante para o controle do câncer, além da prevenção, é o diagnóstico precoce. Evidencias robustas da literatura demonstram que o diagnóstico tardio está associado a um pior prognostico do tratamento e, por consequência, maior mortalidade (Hamilton et al, 2016; Smith, 2017). Embora nossos resultados sozinhos não possam sustentar tal afirmação, o aumento da incidência na população entre 20 e 49 anos dos cânceres de próstata, cólon e reto e tireoide suscita a discussão sobre a revisão das políticas de rastreamento para estes tipos de câncer. De fato, na literatura, há discussões acerca da necessidade da redução da idade para o rastreamento do câncer de colón e reto, sem contudo haver consenso sobre o tema (Austin et al, 2014; Chen et al, 2017; Murphy, 2019).

Finalmente, é importante destacarmos que, segundo dados do SIM-DATASUS, as principais causas de mortalidade na população com menos de 50 anos, em 2017, foram, respectivamente: causas externas; doenças cardiovasculares e; neoplasias malignas. Diante disso, a adoção de políticas públicas de saúde voltadas para redução dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida impacta na mortalidade de duas das principais causas de mortes nesta população, a saber, doenças cardiovasculares e neoplasias malignas.

Considerações Finais:

Houve o aumento das taxas brutas de mortalidade nos estados brasileiros por todas as neoplasias, na população com menos de 50 anos, no período analisado. Em 10 das 19 neoplasias analisadas houve aumento das taxas brutas de incidência ou mortalidade ou ambas, na população na faixa etária entre 20 e 49 anos. Dentre os cânceres que apresentaram aumento das taxas brutas de mortalidade, as neoplasias femininas merecem maior atenção, visto que a mortalidade por estes tipos de tumores aumentou entre as mulheres, apesar de não haver tendência de aumento da incidência.

Os resultados deste estudo evidenciam a necessidade de estabelecer políticas públicas de prevenção e controle de câncer no Brasil. A implementação de políticas públicas voltadas para a redução dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida terá grande impacto na prevenção do câncer na população entre 20 e 49 anos, mas também futuramente, quando esta população se tornar idosa. Além disso, tendo em vista o padrão de mortalidade apresentado pela população com menos de 50 anos, a redução dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida impactará em duas das principais causas de mortalidade nesta faixa etária.

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