Exposição ao tabagismo e câncer de pulmão no Brasil

O tabagismo e a exposição passiva ao tabaco são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de uma série de doenças crônicas. Atualmente mais de um bilhão de pessoas são fumantes no mundo e na década de 2030 estima-se que esse total poderá chegar a dois bilhões. A maioria destes fumantes estará nos países em desenvolvimento (1). O impacto sobre a saúde decorrente do uso do tabaco é bem conhecido: responsável por 90% dos tumores pulmonares, 75% das bronquites crônicas, 25% das doenças isquêmicas do coração (2).

O clássico estudo de Doll e Hill (3), identificou a estreita associação entre consumo de cigarros e câncer de pulmão, evidenciando que o tabagismo é, isoladamente, a principal causa de câncer no mundo.

Tabagismo passivo e câncer

As suspeitas dos efeitos do tabagismo passivo sobre a saúde humana tiveram as primeiras citações em 1930, tendo-se firmado nos dias atuais pelas evidências verificadas e revisadas nas monografias da Agência Internacional de Pesquisas em Câncer (International Agency for Research on Cancer – IARC) (4).

Na urina de fumantes passivos foram encontradas concentrações variáveis de mutagênicos, derivados do benzopireno, nitrosaminas e outros componentes cancerígenos presentes no sangue, e consequentemente submetendo esses indivíduos ao risco de desenvolver câncer de pulmão (5).

Diante do cenário apresentado, este estudo tem o objetivo de comparar a prevalência do tabagismo com as taxas epidemiológicas, de incidência e mortalidade, para câncer de pulmão nas capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal.

Metodologia

Para conhecer as informações epidemiológicas de incidência (6) e mortalidade (7), foram utilizados dados provenientes do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Para conhecer a frequência de fumantes no Brasil, foram usados dados da Pesquisa VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico), realizada pelo Ministério da Saúde (8).

No momento da pesquisa VIGITEL, foi considerado:

Fumante: indivíduo que respondeu positivamente à questão “O(A) sr(a). fuma? ”, independente do número de cigarros, da frequência e da duração do hábito de fumar.

Fumantes passivos no domicílio: indivíduos não fumantes que relatam que pelo menos um dos moradores do seu domicílio costuma fumar dentro de casa. Número de indivíduos entrevistados, conforme resposta à questão: “Alguma das pessoas que mora com o(a) sr(a). costuma fumar dentro de casa?”.

Fumantes passivos no local de trabalho: indivíduos não fumantes que relatam que pelo menos uma pessoa costuma fumar no seu ambiente de trabalho. Número de indivíduos entrevistados, conforme resposta à questão: “Algum colega de trabalho costuma fumar no mesmo ambiente onde o(a) sr(a). trabalha?”.

O que dizem os dados?

Adultos fumantes: A frequência de adultos que fumam variou entre 4,1% em Salvador a 15,6% em Curitiba. As maiores frequências de fumantes foram encontradas, entre homens, em Curitiba (18,3%), São Paulo (17,2%) e Porto Alegre (16,7%) e, entre mulheres, em Curitiba (13,2%), São Paulo (11,7%) e Florianópolis (9,6%). As menores frequências de fumantes, no sexo masculino, ocorreram em Salvador (5,9%), Teresina (7,7%) e João Pessoa (8,0%) e, no sexo feminino, em Aracaju (1,6%), São Luís (2,2%) e Salvador (2,6%).

Fumantes passivos no domicílio: A frequência de fumantes passivos no domicílio variou entre 5,2% em Palmas e 10,4% em Macapá. Entre os homens, as maiores frequências foram observadas em Aracaju (9,8%), Belo Horizonte (9,5%) e Fortaleza (9,4%) e, entre as mulheres, em Macapá (12,7%), Recife (11,4%) e Natal (10,4%). As menores frequências entre os homens foram observadas em Salvador e São Luís (4,6% cada) e Manaus (4,8%); as menores frequências entre as mulheres ocorreram em Palmas e Vitória (4,7% cada) e Florianópolis (5,5%).

Fumantes passivos no local de trabalho: A frequência de fumantes passivos no local de trabalho variou entre 3,7% em Porto Alegre e 9,7% em Porto Velho. Entre os homens, as maiores frequências foram observadas em Porto Velho (14,5%), Recife (13,0%) e Campo Grande (12,9%), e entre as mulheres, no Distrito Federal (6,4%), em João Pessoa (6,0%) e Rio Branco (5,9%). As menores frequências entre os homens foram observadas em Porto Alegre (5,2%), Curitiba (5,9%) e Distrito Federal (6,7%). Já para o sexo feminino, as menores frequências ocorreram em São Luís (2,1%), Porto Alegre (2,4%) e Vitória (2,6%).

Taxa Bruta de Incidência para câncer de Traqueia, Brônquio e Pulmão para cada 100 mil habitantes: Entre os homens, as maiores taxas foram observadas em Porto Alegre (50,5), Florianópolis (38,4), Rio de Janeiro (26,7) e Recife (23,0), e entre as mulheres, em Porto Alegre (37,6), Florianópolis (22,1), Rio de Janeiro (19,7) e Curitiba (17,5). As menores taxas de incidência entre os homens foram observadas em Palmas (6,9), Boa Vista (9,7) Maceió (9,9) e Macapá (10,5). Já para o sexo feminino, as menores taxas ocorreram em Palmas (3,5), Macapá (5,7), Boa Vista (5,8) e Aracaju (8,9).

Taxa Bruta de Mortalidade para câncer de Traqueia, Brônquio e Pulmão para cada 100 mil habitantes: A taxa de mortalidade para a doença variou entre 35,1 em Porto Alegre e 7,0 em Palmas. Entre os homens, as maiores taxas foram observadas em Porto Alegre (41,2), Florianópolis (33,5), Rio de Janeiro (23,9) e São Paulo (20,1), e entre as mulheres, em Porto Alegre (29,8), Rio de Janeiro (17,1), Florianópolis (16,5) e Vitória (15,3). As menores taxas de mortalidade entre os homens foram observadas em Palmas (8,4), Maceió (8,5), Rio Branco (9,4) e Boa Vista (10,9); as menores taxas entre as mulheres ocorreram em Boa Vista (4,7), Palmas (5,7), Macapá (6,2) e Cuiabá (7,7).

No Brasil, os dados indicaram que as regiões Sudeste e Sul comportam as maiores prevalências de tabagismo. Estas duas regiões também registraram as mais altas incidências de neoplasias mais estritamente relacionadas ao tabaco.

Não há explicações simples e diretas para as diferenças regionais da incidência de câncer, mas alguns fatos induzem algumas inferências. Os mais altos níveis de prevalência de tabagismo, em ambos os sexos, bem como a ocorrência das mais altas taxas de incidência e de mortalidade por câncer de pulmão no país são constatados em Porto Alegre (9,10).

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de tabaco em folha (14,1% da produção mundial), atrás apenas da China. O Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 50% da produção nacional. A cultura é típica de pequenas propriedades e a maior parte da produção localiza-se no entorno de indústrias de transformação e beneficiamento (58). Esta característica econômica pode ter definido intrincadas relações entre produção agrícola e industrial, cultura e ações políticas (lobbies de produtores agrícolas e da indústria do tabaco) que podem ter influenciado o consumo mais elevado de tabaco pela população daquele Estado.

Conclusões

O tabagismo ativo é considerado a principal causa de morte potencialmente evitável em seres humanos. Na composição de produtos fumígenos existem diversas substâncias tóxicas e muitas delas cancerígenas.

Do ponto de vista da saúde pública, apesar do cenário otimista observado em relação à prevalência, não deve ser esquecido que os 25 milhões de fumantes no país formam um contingente de proporção gigantesca e que funcionará como uma força para a manutenção da incidência de câncer relacionado ao tabaco no futuro (12).

Desde sua implantação, em 1989, as ações do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) (13), coordenadas pelo INCA, órgão do Ministério da Saúde, em parceria com secretarias municipais e estatuais de saúde, bem como setores da sociedade civil organizada, parecem ter tido papel relevante na redução da prevalência de fumantes. Estas ações devem ser mantidas e aprofundadas.

Segundo o VIGITEL-2015, entre 2006 e 2015, houve uma queda 33,8% no número de fumantes. Apesar da queda de quase 35% para o sexo masculino, as mulheres apresentam desempenho inferior de 33%, refletindo a vulnerabilidade do sexo feminino frente aos malefícios do tabaco. Em todas as regiões do Brasil houve redução significativa. A Região Norte apresentou a maior redução, cerca de 0,9% por ano, enquanto a Região Sudeste obteve a menor redução média 0,5% por ano (14). Para mais informações, acesse nosso estudo: A prevalência de tabagismo no Brasil e o risco de desenvolver câncer.

Há ainda desafios a serem enfrentados. A epidemia do tabaco no país apresenta distribuição desigual entre as classes sociais, atingindo de forma mais intensa as populações de mais baixa renda e com menor tempo de educação formal, portanto, mais permeáveis às mensagens da indústria do tabaco sem crivo crítico (12).

Segundo a Aliança para o Controle do Tabagismo (atual ACT Promoção da Saúde), é preciso que se abra um novo horizonte para o controle do tabaco. Para isso é necessária uma abordagem que auxilie a incorporar na agenda das políticas públicas e programas de controle do tabaco também os aspectos socioeconômicos e os problemas de saúde (15).

Fonte dos dados:
Brasil. Instituto Nacional do Câncer. Atlas da mortalidade do câncer e Estimativa de novos casos de câncer no Brasil 2018/19.
Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa VIGITEL-2017 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico).

Referências:
1. Organização Mundial da Saúde. OMS/WHO Report on the Global Tobacco Epidemic, 2009. Disponível: em http://www.who.int/tobacco/mpower/en/index.html. Acesso em: 13 de dezembro de 2018.
2. Mackay J, Eriksen M. The tobacco atlas. Geneva: World Health Organization, 2002.
3. Doll R, Hill AB. Smoking and carcinoma of the lung: preliminary report. Br Med J. 2: 739-48, 1950.
4. IARC. Tobacco smoke and involuntary smoking. IARC Monogr Eval Carcinog Risk Hum. 83: 1-1438, 2004.
5. Bos RP, Theuws JL, Henderson PT. Excretion of mutagens in human urine after passive smoking. Cancer Lett. 19: 85-90, 1983.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2017.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Atlas da mortalidade do câncer no Brasil. Disponível em: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb/. Acesso em: 13 de dezembro de 2018.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. VIGITEL Brasil 2017. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
9. Malta DC, Moura LM, Souza MFM, Curado MP, Alencar AP, Alencar GP. Tendência da mortalidade do câncer de pulmão, traquéia e brônquios no Brasil, 1980-2003. J Bras Pneumol. 33: 536-43, 2007.
10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativas 2008: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2007.
11. SEPLAG. Secretaria do Planejamento e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. Disponível em http://www.rs.gov.br/atlas/ com base na edição impressa em 2002. Acessado em 13 de dezembro de 2018.
12. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev. bras. epidemiol. 13( 2 ): 175-187, 2010.
13. Cavalcante T. Experiencia brasileña con políticas de control del tabaquismo. Salud Pub México. 46: 549-58, 2004.
14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. VIGITEL Brasil 2015. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
15. ACT PROMOÇÃO DA SAÚDE. Controle do tabagismo. Histórico/Saúde/DH. Disponível em: http://actbr.org.br/controle-do-tabagismo. Acesso em: 13 dezembro de 2018.