8º Fórum Big Data em Oncologia

Dados inéditos sobre quanto custa o câncer no sistema público foram apresentados

Confira os principais destaques

Ontem, 13 de junho, foi realizado o 8º Fórum Big Data em Oncologia, evento idealizado e organizado pelo Movimento Todos Juntos Contra o Câncer e Observatório de Oncologia, e que contou com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Centro de Estudos Estratégicos (CEE-Fiocruz).

Estudo intitulado “Quanto custa o câncer” foi apresentado por Nina Melo, coordenadora de pesquisa do Movimento TJCC e Observatório de Oncologia. Dentre os achados, está a informação que em 2022 apenas 3% dos recursos destinados à saúde foram gastos com o tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS). O montante, aproximadamente 4 bilhões de reais, foi utilizado tanto em procedimentos ambulatoriais, quanto em internações e cirurgias – 14% a mais quando comparado ao ano de 2020, o primeiro da pandemia da Covid-19.

Outro dado que pautou o debate foi o aumento do valor de procedimentos como quimioterapia, radioterapia e imunoterapia. Nos últimos quatro anos, o custo médio chegou a ultrapassar 400%: um único procedimento que, em 2018, custava R$ 151,33 saltou para R$ 758,93 em 2022. Durante o evento serão discutidos alguns motivos que podem justificar essa alta, como por exemplo, o estadiamento avançado de alguns tipos de neoplasias (diagnóstico tardio) e a incorporação de novos medicamentos, além do impacto da pandemia de Covid-19 no sistema de saúde como um todo.

Por outro lado, o índice de procedimentos ambulatoriais registrou uma diminuição de 74% nos últimos cinco anos, passando de 15 milhões, em 2018, para 4 milhões, no mesmo período. Os cânceres de mama, próstata, pulmão, cólon e reto consumiram 56% de todos os recursos destinados a tratamentos oncológicos no SUS durante o ano passado.

“Sei que o câncer custa muito caro. E é impossível fazer gestão sem dados. Sem essa informação não temos como fazer planejamento, análise crítica, construção de saúde. Precisamos reconhecer que, neste governo, o câncer é uma prioridade. Precisamos focar nosso olhar, de maneira urgente, para a prevenção, com o objetivo de evitar os casos avançados. Temos que voltar o nosso olhar para o acesso ao tratamento oncológico às diversas populações. E quando sabemos os números, conseguimos definir melhor quais os passos futuros”, salientou o Dr. Roberto Gil, diretor geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Para o Dr. Alfredo Scaff, consultor médico na Fundação do Câncer, a palavra de ordem é diagnóstico precoce.

“É somente com o diagnóstico precoce que vamos conseguir diminuir os custos do câncer como um todo. Fazer o rastreamento organizado é um desafio gigantesco. Coloco aqui um destaque para o câncer do colo do útero, que no Brasil tem um número de mortalidade altíssimo, ainda que tivéssemos já que estar trabalhando por sua erradicação, pois é um tipo câncer completamente evitável”.

A importância da capacitação dos profissionais que atendem na área da saúde também foi assunto entre os especialistas.

“A capacitação dos profissionais da atenção básica precisa ter maior visibilidade. É ali, na atenção primária de saúde, que o diagnóstico precoce é feito. Precisamos avançar com este debate e reorganizar todo o processo, porque hoje o financiamento permanece sendo um problema na saúde pública, e não pode continuar assim nos próximos anos. Está faltando alinhar a organização e a estrutura do SUS. E para mim, associar o câncer à alta complexidade é um equívoco. Também precisamos mudar isso. Acompanhar um paciente oncológico é muito mais complexo, do que usar de tecnologias para descobrir a doença”, comentou Dr. Luiz Antonio Santini, pesquisador associado do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

Para o Dr. Fernando Maia, coordenador-geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde, há uma inadequação de como os gastos são feitos no tratamento do câncer.

“Precisamos entender quanto custa um único paciente de câncer. Porque cada indivíduo apresentará diferenças, que vão além do tipo de neoplasia e da região em que mora. E qualificar os sistemas de informação é um ponto de atenção. Hoje, o único dado que temos é o federal. Mas quanto os estados e os municípios estão gastando com o câncer? Sem dados, não vamos conseguir melhorar a atenção oncológica. Avalio que existe uma inadequação de como os gastos são feitos no tratamento oncológico. Não temos incentivo real para rastreamento, diagnóstico precoce. Então, estamos pagando pela alta complexidade. Temos muitos novos tratamentos, mas não estamos priorizando a atenção primária em saúde. Por exemplo, se priorizarmos vacinar todas as meninas contra HPV, vamos eliminar o câncer do colo do útero em um futuro próximo”, disse.

Incorporação x Acesso

Na segunda mesa de debates, Fernanda Mussolino, CEO da Moka Info, apresentou levantamento sobre as incorporações feitas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) nos últimos anos.

“52 medicamentos antineoplásicos foram avaliados pela CONITEC, por ano. Em 2023, o número foi menor do que o esperado para o período – cerca de 15 apenas. Falando sobre as decisões de incorporação, a média foi de 17 por ano. Mas a análise focada nos antineoplásicos, dos 52, apenas 20 foram feitas. Porém, o percentual é maior para a não incorporação, de 53%. Das 20 incorporações, a maioria dos medicamentos foram para mama, mieloma múltiolo e câncer de pulmão”.

Dr. Sandro Martins, oncologista clínico do Hospital Universitário de Brasília, chamou a atenção para os altos valores das novas tecnologias.

“É bastante difícil trabalhar com dados pontuais, mas alguns números chamaram minha atenção. Sempre achamos que os medicamentos demoram muito para ser incorporados, mas o estudo demonstra que este é um tempo padrão para a CONITEC. É importante entender que o SUS não tem um recurso preparado para as novas incorporações. Então, se uma tecnologia, que custa milhões, for incorporada, os recursos já existentes precisarão ser realocados. Precisamos trabalhar para que haja um entendimento da importância do registro dos dados, e disponibilizar estas informações de maneira pública, para que sejam analisadas pelos especialistas”.

Investimento na Atenção Básica de Saúde

Thais Junqueira, superintendente geral da UMANE, mostrou alguns dados alarmantes sobre o tratamento do câncer de mama no Brasil, tipo de neoplasia que pode ser prevenida e rastreada logo no início.

Em 2022, tinham 180 mil pessoas em tratamento do câncer de mama. E mais de 500 milhões de reais utilizados no tratamento. O orçamento para a saúde, na última década, está estagnado. Se descontarmos os gastos na pandemia, tivemos um crescimento de 1% apenas. Os valores recuaram em 64,2%, quando se faz um comparativo entre 2013 e 2023. Fortalecer a atenção primária é realmente essencial para que nosso sistema de saúde fique mais forte e resolutivo hoje e a longo prazo”, pontuou.

Dr. José Gomes Temporão, médico sanitarista, ex-ministro da saúde e pesquisador associado da CEE-Fiocruz, destacou a saúde da família.

“Sabemos que quando se fala em câncer, há um senso comum construído culturalmente e também pela indústria. Então, já pensamos em tecnologias sofisticadas para diagnóstico, tratamento. E as mídias dão destaque sobre isso. Tudo o que se lê, na maior parte das vezes, gira em torno de novas drogas, novas pesquisas. E sabemos que a dimensão da saúde primária é de extremo valor para a promoção e prevenção do câncer. E se queremos, realmente, mudar a realidade que temos hoje, precisamos investir nessa chamada saúde de família. Mas essa é também uma questão política, porque, por exemplo, temos que falar sobre alimentos ultraprocessados, que custam muito menos. E também esbarramos na questão de ter profissionais especializados. A atenção primária precisa ter o mesmo cuidado que damos para a atenção especializada”.

Ao final, Dra. Catherine Moura, médica sanitarista, CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e líder do Movimento TJCC, fez algumas provocações para que as discussões, que ainda estão muito teóricas, ganhem mais ações práticas, que realmente possam mudar o sistema de saúde.

O que falta para sairmos desse cenário difícil em que estamos hoje? Temos inúmeros especialistas com experiência em SUS, todos com excelentes instrumentos. Precisamos ter em mente que inovação boa é a que funciona. Hoje, só olhamos para o paciente. Mas precisamos olhar para a população, antes de termos um paciente ali. Temos que mudar a maneira que fazemos gestão em saúde. E sinto que estas informações que já conhecemos e temos acesso não estão chegando às pessoas. Assim, não conseguimos trabalhar as ações de atenção primária, da promoção e prevenção. E nós do Movimento TJCC estamos abertos a receber novos membros e novas propostas”, destacou.

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