Tão importante quanto seguir o protocolo medicamentoso, o monitoramento através do RT-PCR quantitativo é fundamental para se alcançar os melhores desfechos no tratamento da Leucemia Mieloide Crônica (LMC). O teste de Reação em Cadeia da Polimerase em Tempo Real, ou simplesmente PCR, é um teste molecular extremamente sensível que mede, no sangue ou na medula óssea, a quantidade do gene causador do câncer BCR-ABL (translocação de gene que forma o Cromossomo Philadelphia).
Existem dois tipos de PCR indicados para a LMC, são eles: PCR qualitativo, usado no momento do diagnóstico para identificar a presença do Cromossomo Philadelphia que caracteriza a LMC; e o PCR quantitativo que é usado para o tratamento e acompanhamento da doença. Este último é o que vamos utilizar como objeto de análise no presente estudo.
O PCR quantitativo é o exame padronizado para o monitoramento da resposta do paciente ao tratamento justamente por ser supersensível. Para exemplificar, por meio de uma amostra do sangue periférico, o PCR pode encontrar, aproximadamente, uma célula doente em meio a um milhão de células. Por conta disso, esse teste é uma das principais ferramentas no controle e acompanhamento da LMC, pois permite verificar o quanto de gene BCR-ABL está presente no sangue, ou seja, o quanto o paciente tem de doença, fornecendo parâmetros adequados de avaliação para que o profissional de saúde possa intervir nos momentos corretos de forma a reduzir a chance de progressão da doença, provendo, assim, um melhor resultado terapêutico.
Recomenda-se que seja realizado a cada três meses após resposta citogenética completa obtida e confirmada. Após a obtenção e a confirmação de resposta molecular maior, o exame pode ser realizado a cada seis meses.
Os principais medicamentos para tratar a LMC estão disponíveis no Brasil e os pacientes tratados nos sistemas de saúde público e privado têm acesso a eles. Porém, a única forma de verificar se o tratamento indicado está fazendo efeito é através do PCR. Aqui no país, até o ano de 2017, o número de pacientes com LMC tratados no Sistema Público de Saúde (SUS) era de 19.733, representando uma taxa de 9,7 pacientes por 100 mil habitantes. Entre 2009 e 2017, essa taxa cresceu 13,2% ao ano, ou seja, é um número alto de pacientes que precisa realizar o PCR somente no sistema público.
Em recente levantamento com 357 pacientes de LMC de todo o país, realizado pela ABRALE – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, foi identificado que 36% dos pacientes que fazem o tratamento no SUS tiveram dificuldade para realizar o PCR. Destes, 50% foi pela indisponibilidade do exame em seu centro de tratamento, seguido de 40% que relata que o centro de tratamento tem uma cota muito pequena de exames que podem ser realizados. Ainda para os que tiveram dificuldade na realização do exame, 55% esperaram a liberação e/ou nada fizeram para realizar o procedimento, seguidos de 36% que pagaram o exame com recursos próprios.
Atualmente, o PCR está preconizado para o monitoramento do tratamento da LMC no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Oncologia do Ministério da Saúde, porém, não existe um código padronizado na tabela SUS para que o Centro de Tratamento receba o ressarcimento pelo procedimento realizado, o que dificulta o mapeamento da quantidade de testes feitos no Sistema Público, assim como a quantidade de pacientes que o realizam, para saber se, efetivamente, o que está recomendado no PCDT está sendo feito. Por conta disso e das dificuldades para a realização do exame relatadas pelos pacientes, fizemos uma investigação in loco nos 10 principais centros de tratamento do SUS com o maior volume de procedimentos terapêuticos para LMC para entender como cada um deles faz a solicitação e financia este exame. Para mapear esses centros foram utilizados dados do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) e a obtenção de dados sobre a realização do PCR foi feita por meio de entrevista com os médicos especialistas dos referidos centros, são eles:
Nome do Estabelecimento |
Número de procedimentos terapêuticos realizados para a LMC em 2017 |
UF |
Município |
HC DA FMUSP HOSPITAL DAS CLINICAS SAO PAULO |
7261 | SP |
São Paulo |
SES RJ INST ESTADUAL DE HEMAT ARTHUR SIQUEIRA CAVALCANTI |
5425 | RJ |
Rio de Janeiro |
FUNDAÇÃO HEMOPE |
4040 | PE | Recife |
INSTITUTO DO CANCER DO ESTADO DE SAO PAULO |
3800 | SP |
São Paulo |
HOSPITAL DE CLINICAS |
3194 | PR |
Curitiba |
HOSPITAL OPHIR LOYOLA |
2851 | PA |
Belém |
HOSPITAL DAS CLINICAS DA UNICAMP DE CAMPINAS |
2685 | SP |
Campinas |
HOSPITAL DAS CLINICAS DA UFMG |
2535 | MG |
Belo Horizonte |
MS INCA HOSPITAL DO CANCER I |
2468 | RJ |
Rio de Janeiro |
HOSP DE TRANSPLANT DO EST DE SP EURYCLIDES DE JESUS ZERBINI |
2404 | SP |
São Paulo |
Resultados:
Número absoluto e porcentagem das Instituições que realizam o exame de PCR- Quantitativo, de acordo com a fonte de financiamento, 2019.
Fonte de Financiamento | Número (N) | Porcentagem (%) |
Recursos Próprios* | 4 | 40% |
Indústria Farmacêutica | 3 | 30% |
Indústria Farmacêutica e Recursos Próprios* | 3 | 30% |
Total | N=10 | 100 |
* Recursos próprios incluem: verbas de pesquisas realizadas pelos pesquisadores da Instituição, recursos provenientes da realização de exames para rede privada de saúde e ainda outras parcerias da Instituição.
Conclusão:
Após o contato com os principais especialistas na doença, vimos que não há uma regularidade na realização do PCR e, pior, que muitos pacientes ficam sem realizá-lo na periodicidade adequada. Ainda sobre o levantamento com pacientes realizado pela ABRALE, foi identificado que 18% dos pacientes realizam o exame apenas 1 vez ao ano e 6% realizam 1 vez a cada 2 anos ou mais. Neste tempo, para o paciente que não está com controlado e/ou com resposta molecular maior, pode haver um agravamento considerável da doença, com o risco de passar para uma fase aguda se não houver intervenção terapêutica a tempo. Considerando a média de R$ 1.080,00 para o custo do exame no mercado privado, o investimento estimado para realização do PCR em 2017 (realização do exame 2x/ano) seria de R$ 46.623.280,00. Ressaltamos que laboratórios mais estruturados conseguem realizar muito mais testes com um custo bem menor.