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Panorama da atenção ao câncer de mama no SUS

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O câncer de mama é a neoplasia mais comumente diagnosticada em mulheres, configurando-se em importante problema de saúde pública mundial devido à sua elevada incidência e morbimortalidade (Santos et al, 2022).

No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), estimam-se cerca de 74 mil casos novos de câncer de mama para o ano de 2024. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama feminina é o mais incidente no país e em todas as Regiões brasileiras (INCA, 2022).

Os melhores desfechos de tratamento e qualidade de vida estão associados ao diagnóstico precoce, nos estádios iniciais da doença, e ao rápido início do tratamento ambulatorial e hospitalar (Polverini et al, 2016; de Mello Ramirez Medina, 2018; Rodriguez-Rincon et al, 2019). Para isso é fundamental as ações de rastreamento que buscam diminuir a morbidade e mortalidade, identificando tumores em fases iniciais para melhorar as chances de reabilitação e cura (Vilas-Lobo et al, 2022).

Método

Estudo descritivo baseado em dados secundários dos Sistemas de Informação de Produção Ambulatorial (SIA-PA), Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (SIA-APAC), Internação (SIH) e Mortalidade (SIM) do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do INCA de pacientes diagnosticadas com câncer de mama baseado no código C50 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) que foram atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2015 e 2024.

Resultados

Mamografias de Rastreamento

Entre 2015 e 2024, foram produzidas mais de 20 milhões de exames de mamografia de rastreio nas faixas etárias de 50 a 69 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, durante os anos de 2020 e 2021, após o início da pandemia de Covid-19, houve uma redução significativa no número de mamografias realizadas, com uma queda de 41,5% em 2020 e 18,9% em 2021 em comparação com 2019, o ano pré-pandemia. Em 2022, observou-se um aumento de pouco mais de 1% no número de mamografias em relação a 2019, indicando uma recuperação após os impactos dos anos anteriores. Em 2023, esse aumento foi de 5,7% em relçação a 2019 e de 6,2% em relação a 2022. Em 2024, o país apresentou queda de 1,5% na produção de mamografias quando comparado a 2023.

Em se tratando de raça/cor, 21,8% dos dados dessa variável não foram preenchidos, correspondendo mais de 1/5 de informação ignorada no momento do preenchimento da variável. Excluindo-se esses registros, 50,8% dos exames de mamografia de rastreio foram realizados em mulheres brancas e 36,4% em mulheres negras (pardas e pretas). Mulheres amarelas que realizaram a mamografia totalizaram 12,8% e indígenas, apenas 0,1%.

O país computou taxas de cobertura mamográfica de 26,5% em 2015, 26,2 em 2016 e 2017, 24,1% em 2018, 23,5 em 2019, 13,5% em 2020, 18,5% em 2021, 22,4% em 2022, 23,8% em 2023 e 23,5% em 2024. Os estados que apresentaram menores taxas de cobertura de mamografia de rastreio foram Roraima, com 3,3%, seguido por Tocantins, com 6,4%. Já as maiores taxas foram dos estados da Bahia, com 33%, Piauí com 32,6% e São Paulo com 29,9%

Diagnóstico

Cerca de 38% dos diagnósticos de câncer de mama ocorreram em estadiamentos avançados (3 e 4) da doença. Acre, Roraima e Pará são os estados com piores desfechos de estadiamento ao diagnóstico (56%), sendo que mais da metade das pacientes atendidas foram diagnosticadas em estadiamentos tardios. Por outro lado, os estados com os menores percentuais de diagnósticos nos estágios 3 ou 4 foram o Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e São Paulo, os três com cerca de 33% de diagnósticos tardios, seguidos por Minas Gerais, com 35,5%.

O tempo médio entre a primeira consulta com o médico especialista e o diagnóstico do câncer de mama no período de 2015 a 2023 no Brasil foi de 34 dias e cerca de 30% dos casos de câncer de mama levaram mais 30 dias para a confirmação diagnóstica após a consulta com o médico especialista. Os estados que tiveram menor tempo médio entre a consulta e o diagnóstico, sem distinção de estadiamento, foram Ceará, Acre e Roraima, contabilizando 17, 19 e 22 dias, respectivamente. Já os estados com maiores tempos médios até o diagnóstico foram Sergipe, com 117 dias, e Pará e Amazonas, ambos com 70 dias. Além disso, o tempo para recebimento do diagnóstico aumentou de acordo com o aumento da faixa etária. Para pacientes entre 20 a 29 anos, o tempo médio para receber o diagnóstico foi de 33 dias, enquanto para pacientes entre 50 a 59 e 60 a 69 anos, a média foi de 35 dias.

O tempo médio entre o recebimento do diagnóstico do câncer de mama e início do tratamento, para o período de 2015 a 2023 no Brasil, foi de 182 dias, sendo Goiás (284 dias), Rio Grande do Sul (227 dias), e Mato Grosso (226 dias) os estados com o pior desempenho no tempo entre o recebimento do diagnóstico do câncer de mama. O tempo para início do tratamento aumentou consideravelmente de acordo com o aumento da faixa etária. Enquanto pacientes entre 20 e 29 anos levaram, em média, 115 dias para iniciar o tratamento, esse tempo médio aumentou para 187 dias para pacientes entre 50 e 59 anos e para 203 dias para aqueles entre 60 e 69 anos.

Os dados de estadiamento ao diagnóstico também mostraram variações significativas entre diferentes raças/cores. Mulheres brancas tiveram uma situação mais favorável no cenário brasileiro em comparação com as mulheres negras. Enquanto a proporção de diagnósticos em estadio 3 ou 4 para mulheres brancas foi de 35,7%, as mulheres negras apresentaram proporções de diagnóstico de 44,4%. No período de 2015 a 2023, o diagnóstico precoce nas mulheres brancas foi de 65,2% em 2015 para 66,3% em 2023. Em mulheres negras, em 2015 o percentual de diagnóstico precoce era 55%, indo para 58,1% em 2023.

Tratamento

Entre 2015 e 2024, foram notificadas quase 700 mil Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), com uma média de 70.183 internações por ano e um tempo de internação médio de 3 dias. Durante esse período, estima-se que 460.968 mulheres foram admitidas no sistema de saúde brasileiro com diagnóstico de câncer de mama. A média anual de atendimento foi de 46.097 pacientes, cada uma passando por uma média de 1,5 internações no período mencionado. O custo médio por internação foi de R$2.215,68, com um custo total de mais de um bilhão de reais.

Em relação à raça/cor, 10,6% dos dados foram ignorados e excluídos das análises. Assim, 48,5% das pacientes foram autodeclaradas brancas, seguidas por 43,1% de pardas e 7,1% de pretas. Mulheres asiáticas ou descendentes de asiáticos representaram 1,3% dos casos, e indígenas, 0,01%. Quanto à faixa etária, mulheres com idade entre 50 e 59 anos foram as que mais internaram, representando 26,8% das internações, seguidas pelas de 60 a 69 anos (23,8%) e 40 a 49 anos (18,4%).

Em se tratando do contexto ambulatorial, foram produzidos cerca de 18 milhões de procedimentos de alta complexidade para o tratamento do câncer de mama, sendo aproximadamente 480 mil procedimentos de radioterapia, representando 3%, enquanto os procedimentos de quimioterapia totalizaram 97%. Os custos chegaram a cerca de oito bilhões de reais. Já a média de custo por procedimento de quimioterapia foi de aproximadamente 400 reais, enquanto para os procedimentos de radioterapia, a média foi de cerca de três mil reais.

A faixa etária mais comum foi de 50 a 59 anos, totalizando 28,4% das mulheres atendidas, seguida pelas faixas etárias de 60 a 69 anos, com 25,8%, e de 40 a 49 anos, com 18,9%. Em relação à raça/cor, 10,4% dos dados foram ignorados. Considerando apenas os dados válidos, 56,9% das mulheres atendidas eram brancas e 40,8% negras. Para os dados de radioterapia, é possível perceber similaridades quanto à faixa etária e raça mais prevalentes: 28,7% das mulheres estavam na faixa etária de 50 a 59 anos, seguida pela faixa etária de 60 a 69 anos, com 24,3%, e 40 a 49 anos, com 22,9%. 8,1% dos dados sobre raça/cor não foram preenchidos. Excluindo-os dos cálculos, 48,5% dos procedimentos em radioterapia foram em mulheres autodeclaradas brancas e 50,2% em mulheres negras.

Mortalidade

Entre os anos de 2015 e 2022 no Brasil, o número de óbitos por câncer de mama chegou a 160.760 notificações. O ano com o maior número de óbitos foi 2023, registrando 20.399 casos, enquanto o ano com o menor número foi 2015, com 15.593 notificações. A média anual de óbitos entre 2015 e 2022 foi de 17.861. Durante esse período, houve um aumento de 30,8% no número de óbitos.

O estado de São Paulo foi o mais notificado para óbitos por câncer de mama entre os anos estudados, com 25,4% dos óbitos, seguido por Rio de Janeiro, com 12,8% e Minas Gerais, com 9,4%. Com isso, e adicionando o percentual de óbitos no estado do Espírito Santo, é possível calcular que 49,5% dos casos de óbito foram concentrados na região Sudeste.

A maioria dos óbitos ocorreu nas faixas etárias de 50 a 59 anos, totalizando 22,7% dos casos, seguida pela faixa etária de 60 a 69 anos, com 22,5%, e de 70 a 79 anos, com 17,5%. Em relação à raça, 59,3% dos óbitos foram de mulheres brancas, enquanto mulheres pardas representaram 31,5% das notificações de óbito e mulheres pretas, 8,2%.

Considerações finais

O Brasil enfrenta desafios no diagnóstico e tratamento do câncer de mama, apesar das leis N° 12.732/2012 (Lei dos 60 dias) e N° 13.896/2019 (Lei dos 30 dias), e da Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC). Além disso, o SUS tem falhado em proporcionar assistência adequada, apresentando significativa heterogeneidade regional. A pandemia de Covid-19 agravou a situação, reduzindo a realização de mamografias, a capacidade hospitalar e o número de diagnósticos, evidenciando a necessidade urgente de soluções para melhorar o acesso aos serviços de saúde e o prognóstico da doença.

Referências

de Mello Ramirez Medina J, de Araujo Trugilho I, Mendes GNB, Silva JG, da Silva Paiva MA, de Aguiar SS, Thuler LCS, Bergmann A. Advanced Clinical Stage at Diagnosis of Breast Cancer Is Associated with Poorer Health-Related Quality of Life: A Cross-Sectional Study. Eur J Breast Health. 2018 Dec 19;15(1):26-31. doi: 10.5152/ejbh.2018.4297. PMID: 30816366; PMCID: PMC6385723.

Polverini AC, Nelson RA, Marcinkowski E, et al. Time to Treatment: Measuring Quality Breast Cancer Care. Ann Surg Oncol. 2016;23(10):3392–3402. https://doi.org/ 10.1245/s10434-016-5486-7.

Rodriguez-Rincon D, et al. Factors affecting access to treatment of early breast cancer: Cases studies from Brazil, Canada, Italy Spain and UK. RAND EUROPE. 2019. Disponível em: https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RR3000/RR3010 z4/RAND_RR3010z4.pdf. Acesso em: 10/03/2020

Santos, Tainá Bastos dos et al. Prevalência e fatores associados ao diagnóstico de câncer de mama em estágio avançado. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, v. 27, n. 02 [Acessado 9 Setembro 2022] , pp. 471-482. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/1413-81232022272.36462020>. Epub 02 Fev 2022.
ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232022272.36462020.

Vilas-Lobo GR, Santos RS, Silva RR. Screening mammography in SUS before and during the Covid-19 Pandemic: a comparison between biennia. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 10, p. e210111032738, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i10.32738. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/32738.

 

Autores: Ana Almeida e Janaina Rosenburg

 

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