Introdução
O câncer do colo do útero (CCU), também conhecido como câncer cervical, é causado pela infecção persistente por tipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV) (INCA, 2023). Esse vírus causa uma infecção sexualmente transmissível comum na população, e seu contágio poderia ser reduzido com o uso de preservativos. Na maioria dos casos, a infecção pelo HPV não resulta em doença; no entanto, em algumas situações, pode causar alterações celulares que, ao longo dos anos, podem evoluir para o câncer (INCA, 2023).
A detecção do HPV e de lesões pré-cancerosas é possível por meio do exame preventivo Papanicolau (INCA, 2023). Essas lesões, geralmente assintomáticas, podem ser identificadas precocemente através do exame, permitindo um tratamento oportuno. Quando diagnosticado em estágio inicial, o CCU apresenta altas taxas de cura (Brasil, 2007; INCA, 2023).
Nas Américas, o CCU representa um grave problema de saúde pública, demandando uma abordagem integrada e intersetorial. Essa abordagem inclui ações voltadas para a saúde sexual e reprodutiva, a saúde de adolescentes, a imunização, o aprimoramento das tecnologias de diagnóstico, o tratamento oportuno e o controle do câncer do colo do útero. Devido à longa história natural da doença, existem diversas oportunidades de intervenção ao longo da vida da mulher, tanto por meio da prevenção primária e secundária, quanto por meio do diagnóstico e tratamento adequados (OPAS, 2025). Em 2022, mais de 78 mil mulheres foram diagnosticadas com CCU na Região das Américas, e mais de 40 mil morreram em decorrência da doença (OPAS, 2025).
Embora o CCU seja evitável, ele é o terceiro tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, ficando atrás apenas do câncer de mama e do colorretal. Além disso, é a quarta principal causa de morte por câncer entre mulheres no Brasil (INCA, 2023).
O seu tratamento envolve, comumente, cirurgia e radioterapia, podendo ser usada também a quimioterapia. O protocolo terapêutico, inclusive se haverá a realização da terapia combinada ou isolada, vai depender do tamanho e estádio do tumor, além de questões pessoais, como idade e fertilidade, que devem ser levadas em consideração para determinar a terapêutica de melhor resposta (INCA, 2000).
Diante desse cenário, a realização periódica do exame preventivo Papanicolau é essencial para a detecção precoce e redução da mortalidade pelo CCU. Além disso, a vacinação contra o HPV é uma ferramenta fundamental para prevenir infecções pelo vírus e, consequentemente, o desenvolvimento da doença (INCA, 2023).
A vacina contra o HPV está disponível na rede pública e no calendário vacinal anual do Sistema Único de Saúde (SUS) há 10 anos. Nesse período, importantes conquistas foram galgadas, mas com a pandemia de covid-19 e a crise política e institucional no Brasil, várias vacinas tiveram sua cobertura diminuída.
No Brasil, são vacinadas crianças e adolescentes, meninos e meninas, de 9 a 14 anos para o HPV. Em 2018, foram vacinadas mais de cinco milhões de pessoas do público alvo, porém, em 2021, esse número chegou a apenas 3,8 milhões. Segundo últimos dados divulgados, meninas que receberam a primeira dose da vacina corresponderam a 75,8%, enquanto as que receberam também a segunda dose, representaram apenas 58,2% (Brasil, 2024). Isso demonstra que o país ainda está distante do almejado para diminuir a circulação do vírus e, consequentemente, diminuir a incidência do CCU.
Para tentar mitigar esses resultados e dar novos rumos à vacinação no país, o Ministério da Saúde anunciou em 2024 que a vacinação será de apenas uma dose, diminuindo a falta de aderência à vacina e com intuito de abarcar mais pessoas (BRASIL, 2024; OPAS, 2025). Com isso, o país aguarda e torce para voltar aos rumos do exemplo mundial de vacinação de sua população, forma tão importante de prevenção do CCU, que, hoje, mantém níveis alarmantes de ocorrência e óbito e, consequentemente, alta demanda produtiva de tratamentos ao SUS.
Objetivo
O objetivo deste estudo foi descrever a produção de quimioterapia, radioterapias e internações, incluindo cirurgias, para o câncer de colo de útero (CCU) no SUS entre 2019 e 2023, quanto à quantidade de procedimentos realizados, custos envolvidos, distribuição geográfica, tipo de tratamento e estadiamento da neoplasia, a fim de avaliar o cenário do CCU no Brasil.
Metodologia
Foram coletados dados secundários para todos os casos de neoplasia maligna de colo de útero, categorizados pelo CID Principal/Topográfico C53, no período de 2019 a 2023, das bases públicas do Ministério da Saúde referentes à autorização de procedimentos de alta complexidade para quimioterapia e radioterapia (APAC) do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e autorizações de internações hospitalares do Sistema de Informação Hospitalar (SIH). Também foram coletados dados para o mesmo CID na base de Registros Hospitalares de Câncer (RHC) do INCA, a fim de realizar análises quanto ao tempo entre diagnóstico e tempo e categoria inicial de tratamento dos pacientes avaliados. As bases públicas do SIA e SIH utilizadas foram coletadas no site de sistematização de dados do Ministério da Saúde, disponível em: https://datasus.saude.gov.br/transferencia-de-arquivos/. Para os dados do RHC foram coletados através do link https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/.
Os bancos de dados foram limpos e organizados no Microsoft Query® para identificar as seguintes variáveis dos pacientes: sexo, faixa etária, raça/cor, município de tratamento, tempo até tratamento, local do procedimento/internação, custo do procedimento e da internação, tipo de procedimento, ano de diagnóstico, ano de realização do procedimento, ano de internação, ano, município de residência e número de óbitos. Foi realizada uma quantificação estimada de pacientes que realizaram quimioterapia e radioterapia no período através de variável codificada do Cartão Nacional de Saúde (CNS). Além disso, também foi realizada uma estimativa da quantidade de pacientes hospitalizados através do cruzamento de informações do CEP e data de nascimento. Também foi realizado o cálculo de taxa de mortalidade bruta para o CCU por 100.000 mulheres, com dados municipais de mulheres residentes do último Censo de 2022 do IBGE. A partir dessas análises, foram produzidos painéis de bordo contendo as informações mais pertinentes do estudo para visualização interativa através do programa Microsoft PowerBI®.
Resultados
O panorama de atenção ao câncer do colo de útero no SUS entre 2019 e 2023 revela que foram produzidas 251.514 APACs de quimioterapia, atendendo 54.290 pacientes, com um custo médio de R$ 749,79 por APAC. Os estabelecimentos que mais realizaram esse tipo de tratamento incluem o Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Belo, o Hospital Haroldo Juacaba, no Ceará, e o Hospital de Câncer de Goiás. A maior parte das pacientes submetidas à quimioterapia está na faixa etária de 40 a 49 anos (25,7%), seguida pelo grupo de 50 a 59 anos (23,5%).
Na radioterapia, o total de APACs chegou a 53.686 em 47.288 pacientes estimadas, com um custo médio de R$ 4.038,24 por APAC. O Hospital Ophir Loyola, no Pará, lidera o número de atendimentos, seguido pela Fundação Cecon no Amazonas e pelo Hospital de Câncer de Goiás. Novamente, a maior parte das pacientes que realizaram radioterapia estava na faixa etária de 40 a 49 anos (25,7%) e de 50 a 59 anos (21,8%).
O estudo mostra que a maior parte das pacientes submetidas à radioterapia se autodeclaram pardas (49,9%), seguidas pelas brancas (39,2%) e pretas (5,7%). O tempo de espera até o início da radioterapia tem uma mediana de 117 dias e 80,5% do tratamento de radioterapia foi com início superior a 60 dias, contrariando a prerrogativa da lei de acesso. Além disso, 64,4% das pacientes não residem no mesmo município onde realizam o tratamento radioterápico, o que sugere desafios logísticos e dificuldades de acesso aos serviços especializados.
A braquiterapia, um tratamento complementar e muitas vezes essencial na abordagem do câncer de colo de útero, registrou 40.754 APACs e atendeu 38.954 pacientes, com um custo médio de R$ 3.935,67 por APAC. O Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho (SP) foi o principal prestador desse tipo de tratamento, seguido pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (RS) e pelo Hospital Aristides Maltez (BA). A distribuição etária das pacientes tratadas por braquiterapia também aponta uma maior concentração entre 40 e 59 anos, refletindo um perfil semelhante ao das demais terapias.
A maior parte dos procedimentos para as três modalidades terapêuticas foi realizada em São Paulo. No que se refere aos custos, a análise comparativa mostra que a média de custo por paciente na quimioterapia variou pouco ao longo dos anos, partindo de R$ 2.592,33 em 2019 para R$ 2.619,35 em 2023, enquanto o custo médio por paciente em radioterapia se manteve consideravelmente mais alto, mas, também, com pouca variação entre os anos estudados.
Quanto ao tratamento inicial, 33,7% das mulheres fizeram uma terapia combinada, podendo essa ser cirurgia associada à radioterapia ou quimioterapia, radioterapia associada à quimioterapia ou outras categorias, ou quimioterapia associada a outras categorias. Apenas cirurgia esteve presente em 31,8% dos casos, seguido por apenas radioterapia, com 13,8%.
Quanto às informações de hospitalizações, foram registradas 120.300 internações, com um total estimado de 80.352 pacientes no período analisado. Os estabelecimentos com maior número de atendimentos foram o Hospital do INCA II, no Rio de Janeiro, seguido pelo Hospital de Câncer de Pernambuco e Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Belo. O tempo médio de permanência hospitalar foi de cerca de cinco dias, e a proporção de óbitos em internações foi de 10,9%.
A análise da distribuição etária mostra que a maior parte das internações ocorreu em mulheres entre 30 e 49 anos, com as faixas de 30-39 anos representando 22,5% e a de 40-49 anos, 27,6%. Além disso, o perfil racial das pacientes internadas indica que 50,7% se autodeclaram pardas, enquanto 40,9% são brancas e 6,6, pretas, refletindo a distribuição demográfica da população brasileira.
O custo médio por internação variou ao longo dos anos, partindo de R$ 1.871,50 em 2019 e atingindo R$ 2.224,65 em 2022, com uma leve redução para R$ 2.182,87 em 2023. Esse aumento progressivo pode ser atribuído a avanços tecnológicos nos tratamentos, maior tempo de permanência hospitalar ou a necessidade de procedimentos mais complexos. Já o custo total das internações no período ultrapassou os R$ 252 milhões.
Outro ponto relevante é que, assim como no tratamento ambulatorial, grande parte das pacientes das pacientes não reside no mesmo município onde realizaram a internação (68,2%), evidenciando a concentração dos serviços especializados em determinados centros urbanos e a necessidade de deslocamento de grande parte das mulheres para acesso ao tratamento hospitalar adequado. Em relação ao tipo de procedimento realizado durante a internação, 54,3% foram procedimentos clínicos e 45,7% cirúrgicos, o que indica que a menor parcela foi internada para o tratamento cirúrgico curativo do câncer e parcela significativa foi internada para tratamento clínico, que geralmente não está relacionado com o tratamento curativo e ocorrendo com maior frequência em tumores mais avançados.
No período analisado através do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), foram registrados 33.955 óbitos. A distribuição racial dos óbitos indica que 49% das mulheres se autodeclararam pardas, enquanto 41,3% eram brancas e 8,6% pretas, refletindo uma desigualdade que pode estar associada a fatores como acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado. A taxa de mortalidade bruta para 2023 foi de 6,83 mortes por 100.000 mulheres.
A distribuição etária dos óbitos mostra que a maior parte das mortes ocorreu entre mulheres de 40 a 59 anos, sendo 20,8% na faixa de 40-49 anos e 20,9% na de 50-59 anos. O percentual de óbitos também é expressivo entre mulheres de 60 a 69 anos (19,3%) e 70 a 79 anos (14,1%), mostrando que a doença continua impactando a população feminina em idades mais avançadas.
A evolução do número de óbitos por ano demonstra um crescimento. Em 2019, foram registradas 6.596 mortes, número que subiu para 6.627 em 2020 e manteve-se relativamente estável em 2021, com 6.606 óbitos. Já em 2022, houve um aumento para 6.983, chegando a 7.143 óbitos em 2023. No geral, houve um aumento de 8,3% de óbitos entre 2019 e 2023.
O mapa de distribuição geográfica dos óbitos mostra que os estados do Sudeste e Nordeste concentram a maior parte dos casos, principalmente São Paulo e Bahia, indicando uma forte presença de serviços especializados nesses locais. As taxas brutas de mortalidade em 100.000 mulheres nesses estados em 2023 foram de 4,81 e 6,49, respectivamente. Já no Acre, estado com maior taxa bruta de mortalidade, foi observado óbito de 15,67 em 100.000 mulheres para o mesmo ano, demonstrando as diferenças regionais da carga dessa doença.
Conclusão
Os achados do estudo mostram que o câncer do colo de útero continua sendo um grave problema de saúde pública no Brasil, com mais de 33 mil óbitos entre 2019 e 2023 e uma taxa de mortalidade importante. A maioria das pacientes enfrenta barreiras no acesso ao tratamento, com necessidade de deslocamento para outros municípios, sendo necessário avaliar a disponibilidade e distância de centros referenciados na regionalização da saúde. Além disso, é de extrema importância o aumento na cobertura da vacinação contra o HPV, com estratégias direcionadas a diminuir a transmissão do vírus causador do CCU.
Referências bibliográficas
Brasil, Ministério da Saúde. Câncer de colo de útero. Biblioteca Virtual em Saúde. Distrito Federal. 2007. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/cancer-do-colo-de-utero/. Acesso em fev/2025.
Brasil, Ministério da Saúde. Ministério da Saúde anuncia a ampliação da vacina contra o HPV para usuários da PrEP. Imunização. Distrito Federal. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/julho/ministerio-da-saude-anuncia-a-ampliacao-da-vacina-contra-o-hpv-para-usuarios-da-prep. Acesso em fev/2025.
Instituto Nacional do Câncer – INCA. Câncer de colo de útero. Revista brasileira de cancerologia, Rio de Janeiro, v.46, n. 4, p.351-354, out./dez. 2000.
Instituto Nacional do Câncer – INCA. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/tipos/colo-do-utero. Acesso em fev/2025.
Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS. Câncer de colo de útero. Distrito Federal. 2025. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/cancer-do-colo-do-utero. Acesso em fev/2025.
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