Introdução
O câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) é o tipo mais comum de câncer de pulmão, representando aproximadamente 85% dos casos diagnosticados¹. O tabagismo é o principal fator de risco evitável associado ao CPCNP, sendo responsável por uma parcela significativa dos diagnósticos. Outros fatores de risco incluem a exposição a poluentes ambientais como radônio e amianto, além de predisposições genéticas e histórico familiar².
O diagnóstico precoce do CPCNP é crucial para alcançar melhores prognósticos. Porém, devido aos sintomas iniciais serem inespecíficos, a doença pode ser confundida com outras condições respiratórias. Sintomas como tosse persistente, dor torácica e falta de ar geralmente surgem em estágios avançados da doença, quando o tratamento é menos eficaz. Melhorar a conscientização sobre o tabagismo e implementar programas de rastreamento são essenciais para identificar a doença em estágios mais iniciais, o que pode melhorar significativamente os resultados do tratamento e a sobrevida dos pacientes³.
As opções de tratamento para o CPCNP são variadas e dependem do estágio da doença no momento do diagnóstico. Podem incluir cirurgia para remoção do tumor, quimioterapia, radioterapia e terapias alvo que visam especificamente as mutações genéticas presentes no tumor. A abordagem de tratamento é multidisciplinar, envolvendo oncologistas, cirurgiões e outros profissionais de saúde, com o objetivo de personalizar o tratamento para cada paciente e proporcionar a melhor qualidade de vida possível.
Objetivo
O objetivo deste estudo foi delinear o perfil sociodemográfico das pessoas com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) no Brasil entre 2019 e 2023, bem como analisar informações sobre produção ambulatorial e hospitalar provenientes desse tipo de câncer.
Metodologia
Foram coletados dados secundários para todos os casos de câncer de pulmão, categorizados pelo CID Principal/Topográfico C34, no período de 2019 a 2023, das bases públicas do Ministério da Saúde referentes à autorização de procedimentos de alta complexidade para quimioterapia (APAC) do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e autorizações de internações hospitalares do Sistema de Informação Hospitalar (SIH). Também foram coletados dados quanto ao CID e tipo histológico para o CPCNP na base de Registros Hospitalares de Câncer do INCA, a fim de realizar análises quanto ao tempo de diagnóstico e tempo de tratamento dos pacientes avaliados. As bases públicas do SIA, SIH e RHC utilizadas foram adquiridas no site de sistematização de dados do Ministério da Saúde, disponível em: www.datasus.saude.gov.br.
Os bancos de dados foram limpos e organizados no Microsoft Excel® para identificar as seguintes variáveis dos pacientes: sexo, faixa etária, raça/cor, município de residência e de tratamento (para avaliar se houve deslocamento), tempo entre diagnóstico e tratamento, local do procedimento/internação, custo do procedimento e da internação, tipo de procedimento, ano de diagnóstico, ano de realização do procedimento, ano de internação. Também foi realizada uma estimativa da quantidade de pacientes hospitalizados através do cruzamento de informações do CEP e data de nascimento. A partir disso, foram produzidos painéis de bordo contendo as informações mais pertinentes do estudo para visualização interativa através do programa Microsoft PowerBI®.
Dados Gerais
Os resultados desse estudo indicam que cerca de 41 mil pacientes passaram por 294.865 procedimentos de quimioterapia para CPCNP pelo SUS no período estudado quase 23 mil pacientes passaram pela radioterapia, com 30 mil APACs produzidas para esse procedimento. Além disso, há uma estimativa de que 83 mil pacientes foram internados com câncer de pulmão, sendo o de células não pequenas o equivalente a 85% desse resultado, e com 123.257 internações totais registradas.
Perfil sociodemográfico
Para todos os bancos de dados, os pacientes autodeclarados brancos totalizaram em cerca de 50% dos casos, enquanto os pardos variaram de aproximadamente 31% a 43% para os bancos de dados, e os pretos de 5% a 6%. Dados ignorados foram significativos, com valores que chegam a até 11,4% para os dados de quimioterapia e 11,5% em radioterapia. Essas variações destacam a importância do preenchimento dessas variáveis para que as políticas públicas sejam melhor desenhadas quanto às necessidades da população.
Já a pirâmide etária para todos os conjuntos de dados mostra que a maior parte dos pacientes está na faixa etária de 60-69 anos, alcançando percentuais entre 30% e 37% entre as análises, com uma distribuição significativa também na faixa de 70-79 anos (cerca de 28%). Em termos de sexo/gênero, há uma predominância de pacientes do sexo masculino. Além disso, em se tratando de informações sobre distribuição geográfica, São Paulo foi o estado com mais pacientes em todos os conjuntos de dados, seguido pelos estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Diagnóstico x Tratamento
O tempo médio até o diagnóstico foi de 29 dias, tendo sido de 44 dias em 2022, o que indica uma piora significativa em relação a 2019, com 26 dias até o diagnóstico. Para o ano de 2022, o tempo até tratamento foi de 67 dias, também acima da média de outros anos e do permitido por lei. Já para o conjunto de dados completo do período analisado, o tempo até o início do tratamento foi: 47% dos pacientes iniciaram o tratamento até 30 dias após o diagnóstico, 21,7% receberam tratamento entre 31 e 60 dias, e 31,4% iniciaram o tratamento mais de 60 dias após o diagnóstico.
Em relação ao estadiamento ao diagnóstico, os dados mostram uma predominância dos diagnósticos no estágio III e IV, que, somados, chegam a cerca de mais de 90% dos casos nos diferentes dados analisados. Os estágios 0, I e II mostram percentuais menores, com valores somados variando de aproximadamente 6,5% a 8,6%.
Tratamento Ambulatorial e Internações
Foram realizados cerca de 300 mil procedimentos de quimioterapia nos anos estudados, com um custo total de quase 300 milhões de reais. As quimioterapias aqui avaliadas foram “Quimioterapia do Carcinoma Pulmonar de Células não pequenas Avançado”, “Quimioterapia do Carcinoma Pulmonar de Células não pequenas (Prévia)” e “Quimioterapia do Carcinoma Pulmonar de Células não pequenas (Adjuvante)”. As instituições de saúde que mais realizaram esses procedimentos foram a Fundação Pio XII Barretos, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e Hospital do Câncer de Goiás. Cada paciente estimado realizou, em média, cerca de 7 procedimentos de quimioterapia, a um custo médio de R$ 956,12.
Já para os procedimentos de radioterapia, foram produzidas 30 mil APACs, com um custo total de quase 74 milhões de reais. O valor médio por procedimento foi de R$2.451,46. Ao todo, foram estimados mais de 64 mil pacientes entre quimioterapia e radioterapia, e cerca de 320 mil procedimentos para as duas categorias de tratamento. É importante lembrar que para APACs de radioterapia, diferentemente das APACs de quimioterapia, não é possível fazer o recorte de qual tipo de câncer de pulmão se trata, sendo necessário assumir que 85% desses são para CPCNP;
Os números de quimioterapias, internações e seus custos associados apresentam uma tendência de aumento constante de 2019 a 2023. Já para a radioterapia, as quantidades de APACs produzidas nunca voltaram aos padrões pré-pandemia (2019). Os dados indicam que 18% dos pacientes utilizaram UTI enquanto hospitalizados, enquanto 82% não necessitaram desse recurso. Quanto à residência na mesma cidade do estabelecimento de saúde, 36% dos pacientes foram internados na mesma cidade em que residem, enquanto 64% necessitaram deslocar-se para tratamento.
As internações foram distribuídas entre várias instituições de saúde, com os maiores números de pacientes estimados nos estabelecimentos Fundação Pio XII Barretos, HM Hospital de Misericórdia Carlos Alberto Studart Gomes, no Ceará, e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. O custo médio por internação foi de pouco mais de R$1.700,00 reais. Custos totais foram de mais de 200 milhões de reais em internações. A média de dias internado foi de uma semana e o percentual de óbitos por internações registrados foi de 26%. Para os dados de internação, também é necessário assumir que 85% das hospitalizações foram em decorrência do CPCNP.
Hábitos de Tabagismo
Os dados indicam que 43,9% dos pacientes são tabagistas e 42,1%, ex-tabagistas. Ou seja, cerca de 86% dos pacientes para CPCNP tiveram contato com o tabaco em algum momento da vida. Já os que nunca fumaram, totalizaram em 14%.
Conclusão
Os dados apresentados refletem a distribuição demográfica, o estadiamento ao diagnóstico e informações orçamentárias do SUS e de procedimentos relacionados ao tratamento do câncer de pulmão de células não pequenas no Brasil.
Os resultados indicam a necessidade contínua de políticas de saúde pública que incentivem a detecção precoce da doença, visando melhorar os resultados de tratamento e sobrevivência para os pacientes diagnosticados. O elevado número de óbitos durante internação, superior a um quarto dos casos, reforça a gravidade da situação.
Além disso, o hábito do tabagismo se mostrou aqui nesse estudo, extremamente importante para a ocorrência do CPCNP, corroborando com o que já se sabe de literatura vasta sobre a temática. Esse hábito se mostra fator de risco significativo para o desenvolvimento de CPCNP e influenciam o prognóstico e o tratamento da doença. É necessário que as políticas antitabagistas, tão fortes e importantes no país, continuem a atuar de modo a diminuir o número de usuários e, consequentemente, proteger a população contra esse tipo de câncer.
Referências
- Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, Ministério da Saúde. Relatório Para Sociedade: Informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS. 2024. p. 1-6. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2024/sociedade/relatorio-para-a-sociedade-com-decisao-final-no-430#:~:text=Existem%20dois%20tipos%20de%20c%C3%A2ncer,por%20aproximadamente%2015%25%20dos%20casos. Acesso em jun/2024.
- A.C. Camargo Cancer Center. Pulmão. 2022. Disponível em: https://accamargo.org.br/sobre-o-cancer/tipos-de-cancer/pulmao Acesso em jun/2024. Acesso em jun/2024.
- INCA – Instituto Nacional do Câncer, Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/deteccao-precoce-do-cancer.pdf. Acesso em jun/2024.
- Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, Ministério da Saúde. Monitoramento do Horizonte Tecnológico: Medicamentos para o tratamento de câncer de pulmão de células não pequenas. 2022. p. 1-85. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/radar/2022/informemht_cancerpulmao_publicado.pdf. Acesso em jun/2024.
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