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Panorama da Mielofibrose no Brasil

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Introdução

A mielofibrose é um tipo de câncer que afeta a medula óssea, pertencente ao grupo das “doenças mieloproliferativas crônicas”. Ela pode se manifestar de duas formas: primária, quando não há uma causa conhecida, e secundária, quando decorre de outras condições como trombocitemia essencial (TE) ou policitemia vera (PV), que também fazem parte desse grupo de doenças1,2.

Os sintomas da mielofibrose podem variar, mas frequentemente incluem cansaço excessivo e progressivo, fraqueza, hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e do baço), acompanhado de dor ou volume abaixo das costelas à esquerda ou no ombro esquerdo, anemia, palidez, febre, sudorese noturna, emagrecimento e perda de apetite, dor óssea e nas articulações, palpitações, falta de ar, diminuição da imunidade e aparecimento infecções frequentes, hemorragias e trombose2,3.

O diagnóstico da mielofibrose pode ser difícil, especialmente nos estágios iniciais quando os sintomas podem não estar presentes. O diagnóstico muitas vezes começa com um hemograma completo para detectar possíveis anormalidades na contagem de células sanguíneas e, posteriormente, pode ser realizada uma biópsia da medula óssea para confirmar o diagnóstico, além de pesquisas de mutações genéticas como JAK2, CALR ou MPL, específicas para esse agravo4.

Já o tratamento da doença depende da condição clínica do paciente e do estágio em que se encontra. Para os pacientes assintomáticos, é possível que apenas o acompanhamento médico seja realizado, sem intervenções. Porém, em estágios mais avançados, opções de tratamento incluem o transplante de medula óssea (TMO) alogênico, indicada especialmente em pacientes mais jovens e com bom estado de saúde, inibidores do JAK2 como o Ruxolitinibe, que pode ser prescrito para controlar os sintomas associados às mutações genéticas, reduzindo complicações e melhorando a qualidade de vida, ou outras terapias, como radioterapia, cirurgia para retirada do baço (esplenectomia) e terapias de suporte como transfusões de sangue e medicações para aliviar sintomas5.

A mielofibrose apresenta uma baixa incidência na população, bem como existe uma baixa produção acadêmica sobre o tema. Portanto, é necessário que estudos sejam conduzidos para avaliação de como são os pacientes com esse agravo, quantos são, quanto custam à saúde pública brasileira e, assim, nortear melhorias e políticas públicas efetivas para a melhoria no cuidado dessa doença.

 

Objetivos

 O objetivo do estudo aqui apresentado é realizar uma análise descritiva e sociodemográfica dos indivíduos atendidos pela Mielofibrose no âmbito do SUS, quanto às suas internações, procedimentos ambulatoriais e locais de atendimento, além de realizar uma série histórica do número de notificações e óbitos pelo agravo no Brasil entre 2018 e 2022.

 

Metodologia

Foram selecionados dados secundários de acesso público no Datasus do Ministério da Saúde (https://datasus.saude.gov.br/transferencia-de-arquivos) referentes aos Códigos Internacionais de Doenças (CIDs) C94.5 para Mielofibrose Aguda e D47.1 para Doença Mieloproliferativa Crônica. Foram usados os dados de 2018 a 2022 de autorizações de internações hospitalares do Sistema de Informação Hospitalares (SIH), autorizações de procedimentos de alta complexidade para quimioterapia (APAC) e de Produção Ambulatorial (PA) do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e mortalidade do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Os dados de produção hospitalar, ambulatorial e de quimioterapia são referentes às informações do Sistema Único de Saúde (SUS) e não apresentam dados da rede complementar.

A partir disso, os bancos foram limpos e organizados utilizando o Microsoft Excel®. Para as análises, foram selecionadas seguintes variáveis dos pacientes: sexo, faixa etária, raça/cor, município de residência e de tratamento (para avaliar deslocamentos entre ambos), tempo até início do tratamento, local do procedimento/internação, custo do procedimento e internação, tipo de procedimento, ano de diagnóstico, ano de realização do procedimento, ano de internação e ano de óbito para produção de série histórica ao longo dos anos estudados.

Para alcançar o número de indivíduos com a Mielofibrose, foi realizada o cruzamento das informações “município de tratamento”, “município de residência”, “sexo” e “CID Principal” a fim de estimar o número de pacientes cadastrados no banco de dados de Produção Ambulatorial. Já para o banco de Quimioterapia, foi usada a variável “AP_CNSPCN”, correspondente ao CNS codificado dos pacientes para alcançar essa estimativa. Para o banco de Hospitalizações, foi usada a variável relacionada à Autorização de Internação Hospitalar para numerar a quantidade de internações no período estudado.

A base do INCA de Registros Hospitalares de Câncer – o RHC – foi avaliado e descartado para uso nesse estudo, uma vez que não mostrava observações com os CIDs ou cortes histológicos (9975/3 para Doença Mieloproliferativa e 9932/3 para Mielofibrose Aguda) usados para o diagnóstico propostos.

Posteriormente à essa sistematização das variáveis, foi desenvolvido um panorama utilizando o Microsoft PowerBI®. Esse painel agrega as informações mais relevantes do estudo, proporcionando uma visualização clara, intuitiva e interativa dos resultados.

 

Resultados

  1. Sistema de Informação Hospitalar (SIH)

No período estudado, foram contabilizados 2.992 procedimentos em 2.957 internações. Os procedimentos mais comuns foram o “Tratamento clínico do paciente oncológico” e o “Tratamento de intercorrências clínicas do paciente oncológico”. O estabelecimento que apresentou maior número de internações (159) e procedimentos (159) foi o Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti, o Hemorio, no Rio de Janeiro.

A maioria dos internados era do gênero masculino (55%). A raça/cor e faixa etária com a maiores proporções de internação foram branca (51,6%) e de 60 a 69 anos (28%), respectivamente. Mais de 71% dos pacientes foram internados em um município diferente do que residem. O estado com maior número de internações foi São Paulo (834), seguido por Minas Gerais (476) e Rio de Janeiro (280). Das 2.957 internações, 310 pacientes foram a óbito (10,5%).

O ano com maior número de internações na série histórica foi 2022, com 667, e o menor foi 2018, com 490 internações. A média de custo por internação para o período foi de R$4.218,82 e um total de R$12.622.719,62 foram gastos em internações para o agravo, com média de internação de 7,4 dias. Já o maior custo total para procedimentos foi 2019, com mais de 3 milhões de reais em gastos de internação para a Mielofibrose. O custo médio de internação para esse ano totalizou em R$ 4.619,92, com média de internação de 7,5 dias.

 

  1. Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) – Quimioterapia

 Foram registrados 9.346 pacientes e 204.431 procedimentos, sendo a “Quimioterapia de 1ª linha para doença mieloproliferativa rara” o procedimento mais frequente. O Hospital Euryclides de Jesus Zerbini, localizado em São Paulo, liderou com 576 pacientes e 15.405 procedimentos, apresentando o maior número de casos.

As mulheres representaram 54,5% dos pacientes, enquanto os homens constituíram 45,5% do total. A faixa etária mais prevalente entre os usuários foi de 60 a 69 anos, abrangendo 31,8% do total, seguida pela faixa etária de 70 a 79 anos, que contou com 31,7%. No que diz respeito à raça/cor, a maioria dos pacientes (52,6%) pertence à categoria branca.

Destaca-se que a maioria dos pacientes (56,3%) não reside no mesmo município onde realizou os procedimentos. Além disso, 33,4% dos pacientes enfrentaram uma espera superior a 60 dias para iniciar o tratamento após o diagnóstico. Essas informações são cruciais para compreender a distribuição demográfica e os desafios temporais enfrentados pelos pacientes no acesso ao tratamento.

O estado com maior número de pacientes e procedimentos foi São Paulo, com 3.195 pacientes e 72.415 procedimentos, seguido Rio Grande do Sul, com 920 pacientes e 23.452 procedimentos, e Minas Gerais, com 827 pacientes e 19.763 procedimentos.

O ano de 2020 foi o ano com maior número de pacientes, alcançando 5.500, enquanto 2018 registrou o menor número, totalizando 4.261 pacientes. O custo médio por procedimento para o período foi de R$339,87 e o valor total foi de mais de 69 milhões. O ano com maiores gastos foi de 2022, com o direcionamento de R$15.328.636,50 para procedimentos em quimioterapia para a doença.

É importante ressaltar que não foram notificados indivíduos com o CID C94.5 (Mielofibrose aguda) no presente banco de dados, havendo, nessa seção, apenas informações e resultados sobre pacientes do CID D47.1 (Doença Mieloproliferativa Crônica)

 

  1. Sistema de Informação Ambulatorial – Produção Ambulatorial (SIA – PA)

 Foram estimados 5.912 pacientes e 230.306 procedimentos, sendo o mais frequente a “Quimioterapia de 1ª linha para doença mieloproliferativa rara” o procedimento mais frequente. O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC – FMUSP), localizado em São Paulo, foi o estabelecimento que mais computou procedimentos, totalizando em 8.128.

O ano com maior número de pacientes estimados na série histórica foi 2022, com 3.436 realizando 52.506 procedimentos nesse ano, e o menor foi 2018, com 2.565, com 38.734 procedimentos produzidos. Em relação ao custo, foi observado um acumulado de mais de 70 milhões de reais em gastos para essa doença. Já o custo médio por procedimento totalizou em cerca de 300 reais.

Mulheres contabilizaram 57% dos pacientes totais e homens totalizaram em 43%, mostrando baixa predileção do agravo para sua ocorrência segundo gênero. A faixa etária e raça/cor com a maior proporção de usuários foi de, respectivamente, 60 a 69 anos (28%) e branca (42,7%). Um importante achado desse estudo é que 84,4% dos pacientes precisam realizar seus procedimentos em cidades diferentes as que residem.

O estado com maior número de procedimentos foi São Paulo, com 77.278 e 1.609 pacientes estimados, seguido por Minas Gerais, com 25.882 procedimentos e 786 pacientes estimados, e Rio Grande do Sul, com 25.788 procedimentos e 513 pacientes estimados.

 

  1. Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)

Entre os anos de 2018 e 2022, nos quais o estudo foi conduzido, foram totalizados 1.556 óbitos pela Mielofibrose. Entre esses, 54,8% eram do sexo/gênero masculino, 31,1% tinham entre 70 e 79 anos e 64,8% da raça/cor branca.

São Paulo foi o estado com mais mortes, com 433 óbitos, seguido por Minas Gerais, com 200, e Rio de Janeiro, com 152, sendo os três estados situados na região Sudeste e concentrando mais de 50% dos óbitos. O estado do Amapá não computou nenhuma morte por Mielofibrose no período estudado. Os anos com maior e menor número de óbitos foram, respectivamente, 2020, com 321 mortes, e 2021, com 296.

Conclusão

Em conclusão, a mielofibrose é uma doença de baixa incidência, sendo principalmente em idosos, complexa e desafiadora que afeta a medula óssea, resultando em uma série de sintomas que podem impactar significativamente a qualidade de vida do indivíduo. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são essenciais para gerenciar os sintomas, reduzir complicações e melhorar o prognóstico. O apoio contínuo dos profissionais de saúde – na esfera multiprofissional –, familiares e comunidade é fundamental para enfrentar os desafios físicos e emocionais associados a essa doença.

 

Referências bibliográficas

 

  1. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – Abrale. O QUE É – Mielofibrose [Internet]. 2024 [acesso em 2024 Mar 15]. Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/mielofibrose/o-que-e/
  2. Prchal JT, Lichtman MA. Chapter 85: Primary Myelofibrosis – Williams Hematology [Internet]. 10th ed. Mc Graw Hill; 2021. 1–5 p. Disponível em: https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookId=2962&sectionId=252541674
  3. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – Abrale. SINTOMAS – Mielofibrose [Internet]. 2024 [acesso em 2024 Mar 15]. Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/mielofibrose/sinais-e-sintomas/
  4. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – Abrale. DIAGNOSTICO – Mielofibrose [Internet]. 2024 [acesso em 2024 Mar 15]. Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/mielofibrose/diagnostico/
  5. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – Abrale. TRATAMENTO – Mielofibrose [Internet]. 2024 [acesso em 2024 Mar 15]. Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/mielofibrose/tratamentos/


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