O câncer de pulmão é o segundo mais comum no mundo ocupando a primeira posição entre os homens e terceira posição entre as mulheres (IARC, 2020). No Brasil, é o quarto tipo mais incidente (sem contar o câncer de pele não melanoma), ocupando a terceira posição entre os homens e a quarta posição entre as mulheres (INCA, 2019). Foram estimados, no ano de 2020, 2.206.771 casos novos em todo o mundo, representando 11,4% de todos os cânceres e 1.796.144 óbitos (SUNG e col., 2021). No Brasil, segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA), esperam-se 30.200 casos novos de câncer de pulmão para cada ano do triênio 2020-2022 (INCA, 2019). Foram registrados, no ano de 2019, 29.254 óbitos, sendo 16.661 homens e 12.593 mulheres (SIM, 2019).
No fim do século XX, o câncer de pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitáveis. Isso porque o cigarro é, de longe, o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão e está associado a cerca de 85% dos casos diagnosticados. Outros fatores que aumentam o risco são: idade avançada, exposição à poluição do ar, fatores genéticos, exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos, entre outros (INCA, 2021).
O estadiamento ao diagnóstico é um importante preditor da sobrevida, uma vez que em estadios iniciais a sobrevida pode ser quase 10 vezes maior do que de estadios avançados (ACS, 2021). No Brasil, a taxa de sobrevida relativa em cinco anos para câncer de pulmão é de 18% (15% para homens e 21% para mulheres), enquanto que, para cânceres diagnosticados em estágio inicial, a taxa de sobrevida de cinco anos é de 56% (INCA, 2021). No mundo, as taxas de sobrevida de CP estão também abaixo de 20% (MAO e col., 2016; TORRE e col., 2016).
O presente estudo tem como objetivo avaliar o panorama do atendimento hospitalar e ambulatorial dos pacientes com câncer de pulmão no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2014 e 2019.
Metodologia:
Estudo longitudinal, baseado em dados secundários e abertos de pacientes diagnosticadas com câncer de pulmão (CID C34), atendidos no Sistema único de Saúde (SUS). Foram utilizadas as seguintes bases de dados:
- Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Instituto Nacional de Câncer (INCA) entre 2014 e 2018;
- Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) entre 2015 e 2019;
- Sistema de Informações Hospitalares (SIH) entre 2015 e 2019.
Foram utilizadas as informações de Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) de quimioterapia e radioterapia do SIA e Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) do SIH.
Resultados:
Registro Hospitalar de Câncer (RHC)
No período entre 2014 e 2018, 56.534 pacientes foram diagnosticados com câncer de pulmão e atendidos em estabelecimentos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) que compõem o Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Destes, 32.157 (57%) são do sexo masculino, 51.803 (92%) têm mais de 50 anos de idade e, entre os registros preenchidos, 24.888 (81%) consomem ou já foram consumidores de tabaco.
Um grande percentual (31%) dos casos confirmados não possui informação sobre estadiamento da doença. Entre os pacientes com informação preenchida, 86% foram diagnosticados em estágios avançados (III e IV).
Ao avaliar o tempo, em dias, entre consulta com o especialista e recebimento do diagnóstico, nota-se que a maioria dos pacientes (51%) não têm essa informação preenchida. Segundo os dados preenchidos, o tempo médio foi de 33 dias e, dentre estes, 31% tiveram a confirmação após 30 dias. Ao analisar o tempo entre diagnóstico e início do tratamento oncológico, em 27% dos casos não havia o registro dessa informação. Dentre os pacientes com registro da informação, notou-se uma média de 67 dias, sendo que 34% deles iniciaram o tratamento após 60 dias.
Sistema de Informações Hospitalares (SIH)
No ambiente hospitalar, no período entre 2015 e 2019, foram registradas 117.150 internações de 79.249 pacientes, com média de 1,5 internação/paciente. Segundo registros de Autorizações de Internações Hospitalares (AIH), o gasto total das internações para tratamento do câncer de pulmão foi de R$ 179.705.635,53, o que representou um gasto médio de R$ 2.267,61 por paciente. Entre as internações realizadas no período, 31.333 (27%) tiveram como desfecho óbitos hospitalares.
Em todo o período, a maioria dos pacientes internados são do sexo masculino (56%) e grande proporção (90%) tem mais que 50 anos de idade, sendo 60 a 69 anos a faixa etária mais atendida. A variável raça/cor possui completude de 82,4%. Entre os registros preenchidos, 59% dos pacientes se auto declaram brancos.
Sistema de Informação Ambulatorial (SIA)
Entre 2015 e 2019 foram registrados no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) 312.638 autorizações de procedimento ambulatorial (APAC), sendo 275.823 APAC de quimioterapia e 36.815 APAC de radioterapia. Foi identificado que 46.230 pacientes realizaram quimioterapia e 36.815 realizaram radioterapia nos ambulatórios do SUS. Ao considerar os dois procedimentos ambulatoriais, foram atendidos 52.333 pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão com média 6,0 APAC/paciente. O gasto total no sistema ambulatorial foi de 299.407.130,95 (R$ 5.721,19 por paciente).
Dos pacientes atendidos em âmbito ambulatorial, 29.399 (56%) são do sexo masculino e grande proporção (92%) tem mais que 50 anos de idade, sendo entre 60 a 69 anos a faixa etária com maior número de atendimentos (38%). Ao avaliar o estadiamento ao diagnóstico, notou-se que 87% dos pacientes foram diagnosticados em estadiamentos avançados (III e IV).
Considerações finais:
O câncer de pulmão é considerado um grande desafio para saúde pública. Os sinais e sintomas da doença são inespecíficos, facilmente confundidos com outras patologias e geralmente se manifestam em estágios avançados da doença. Neste estudo evidenciamos que em 85% dos casos o diagnóstico ocorreu tardiamente (estágios III e IV).
O cigarro é, de longe, o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão (INCA, 2021). Cerca de 80% das mortes por câncer de pulmão são devido ao consumo de tabaco (ACS, 2021). No estudo, entre aqueles pacientes com registros preenchidos, 81% são ou já foram fumantes. É necessário ressaltar que o câncer de pulmão é uma causa de morte evitável e que passado algumas décadas desde a implementação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo, ainda existem alguns desafios para controle do tabagismo.
O tempo para diagnóstico e início do tratamento são fundamentais e adquirem uma relevância ainda maior no câncer de pulmão, pois determinam o prognóstico bem como a qualidade de vida do paciente (JACOBSEN e col., 2017). Neste estudo, notou-se que 14% dos pacientes receberam o diagnóstico após 30 dias da consulta com o especialista e que 25% iniciaram o tratamento após 60 dias do diagnóstico. Com isso, nota-se que não estão sendo cumpridos os direitos estabelecidos nas leis 13.896/2019 e 12.732/2012 em que os pacientes oncológicos devem receber o diagnóstico em até 30 dias e iniciar o tratamento oncológico em até 60 dias.
O diagnóstico precoce é um grande desafio para Brasil e para o mundo e há muito o que avançarmos em políticas e infraestrutura de saúde afim de garantir uma maior sobrevida e com mais qualidade aos pacientes de CP. Apesar dos resultados apresentados neste panorama contribuírem para subsidiar a elaboração e implementação de tais políticas, as divergências observadas entre eles, em termos de número de pacientes atendidos e número de óbitos, expõem a fragilidade dos nossos achados e, por consequência, a fragilidade dos registros de câncer do país.
Referências bibliográficas:
American Cancer Society – ACS. Lung Cancer Causes, Risk Fators, and Prevention. Disponível em: <https://www.cancer.org/content/dam/CRC/PDF/Public/8704.00.pdf >. Acesso em 2 jul. 2021.
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva – INCA. Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: < https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva – INCA. Câncer de pulmão. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pulmao>. Acesso em: 15 abr. 2021.
International Agency for Research on Cancer – IARC. Cancer today. Disponível em: < https://gco.iarc.fr/today/home>. Acesso em: 29 jun. 2021.
JACOBSEN, M.M.; SILVERSTEIN, S. C.; QUINN, M.; WATERSTON, L.B.; THOMAS, C.A.; BENNEYAN, J.C.; HAN, P.K.J. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: A scoping literature review. Lung Cancer. 2017 Oct;112:156-164.
MAO, Y.; YANG, D.; HE, J.; KRASNA, M. J. Epidemiology of Lung Cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2016 Jul;25(3):439-45.
Sistema de Informação sobre Mortalidade – SIM. Disponível em: < http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=060701>. Acesso em: 27 jun. 2021.
SUNG, H.; FERLAY, J.; SIEGEL, R. L.; LAVERSANNE, M.; SOERJOMATARAM, I.; JEMAL, A.; BRAY, F. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA Cancer J Clin. 2021 May;71(3):209-249.
TORRE, L.A.; SIEGEL, R. L.; JEMAL, A. (2016) Lung Cancer Statistics. In: Ahmad A., Gadgeel S. (eds) Lung Cancer and Personalized Medicine. Advances in Experimental Medicine and Biology, vol 893. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-24223-1_1
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