Tema central do evento deste ano foi Desigualdade e Câncer
O 5° Fórum Big Data em Oncologia Digital aconteceu nos dias 29 e 30 de julho, com o tema Desigualdade e Câncer. Especialistas em diferentes áreas debateram a importância da análise dos dados para a busca de uma saúde igualitária e de melhor qualidade no Brasil.
No primeiro dia do evento, a desigualdade social foi a discussão que deu início às apresentações. Pesquisadores do Observatório de Oncologia avaliaram fatores socioeconômicos, de infraestrutura de Saúde, variáveis de gastos em Saúde nos Estados e comprovaram que onde há maior acesso, uma porcentagem maior de pacientes sobrevive aos tumores.
Os dados estão no estudo “Desigualdade e câncer no Brasil: uma análise comparativa dos fatores relacionados aos diferentes desfechos por câncer nos estados brasileiros”, que foi apresentado no primeiro dia do evento, pelo Dr. Felipe Ades, oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Para a avaliação, os pesquisadores compuseram o Escore de Acesso à Saúde, a partir dos fatores que melhor caracterizavam as diferenças regionais, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), Índice de Gini (que mede a desigualdade na distribuição de renda), porcentagem da população em condição de pobreza, taxa de diferentes tipos de estabelecimentos de saúde, taxa de profissionais de saúde e gasto per capita em saúde.
Dentre as variáveis analisadas, as mais impactantes para a composição do Escore foram a taxa de médicos e taxa de oncologistas por 100 mil habitantes, a proporção da população beneficiária de planos de saúde, o IDH e a proporção da população em condição de pobreza. Apesar destes indicadores serem os mais relevantes, outros dados, como o índice de Gini, taxa de leitos hospitalares, taxa de enfermeiros em hospitais e gasto per capita em saúde também foram importantes para a composição do Escore.
Os estados com os piores Escores de Acesso à Saúde foram Acre, Amazonas, Pará e Maranhão. Os que apresentaram os melhores indicadores foram São Paulo, Santa Catarina e o Distrito Federal. “O Escore de Acesso à Saúde evidencia a grande desigualdade regional existente no país. Os estados da região Norte e Nordeste apresentam os valores mais baixos neste índice, enquanto que os estados das regiões Sul e Sudeste apresentaram os valores mais altos”, apontou Felipe Ades.
Esta desigualdade no acesso à Saúde apresentou forte associação com a estimativa de sobrevida de câncer. Os estados com os maiores escores também apresentaram maiores estimativas de sobrevida, com uma porcentagem maior de pacientes que sobrevivem ao câncer.
Os dados de sobrevida replicam as desigualdades regionais: os estados das regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores estimativas de sobrevida – com destaque para os números de Roraima (11%), Acre (25%) e Pará (28%), enquanto o Sudeste e o Sul apresentaram as maiores – Rio Grande do Sul (68%), Paraná (66%) e Santa Catarina (65%).
Contudo o cenário do desfecho de câncer ainda é muito preocupante em todo o Brasil. Mesmo os estados com as maiores estimativas de sobrevida ainda estão abaixo de países desenvolvidos como Estados Unidos e Austrália, cujas taxas estão estimadas em 72% e 75% respectivamente. “Os dados evidenciam a necessidade de uma série de estruturas montadas para atender a Oncologia e a Saúde, para que estes pacientes naveguem pelo Sistema como um todo e haja uma mudança dos desfechos por câncer no Brasil”, conclui o médico.
No segundo painel, Nelson Correa, pesquisador da Abrale, Alan Lahoud, engenheiro eletricista pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Data Analyst na área financeira e Henrique Jum Hieda, engenheiro eletricista pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e cientista de dados, apresentaram uma pesquisa que utiliza métodos de Machine Learning para avaliar o impacto das variáveis socioeconômicas e da infraestrutura de saúde nos diagnósticos de câncer no Brasil.
O modelo evidenciou que as variáveis mais impactantes para o diagnóstico precoce do câncer nos municípios brasileiros foram o IDH e o índice de Gini. Em relação à infraestrutura da saúde, nos municípios com as maiores taxas de médicos, taxa de oncologistas e taxa de médicos da atenção primária por 100 mil habitantes, o câncer também foi diagnosticado mais precocemente.
“Como os fatores socioeconômicos apresentaram uma forte associação com o estadiamento no momento do diagnóstico, fizemos uma nova análise para avaliar apenas quais seriam as melhores práticas em saúde que estariam mais fortemente relacionadas à precocidade do diagnóstico”, destacou Nelson Francisco, pesquisador do Observatório de Oncologia.
Os municípios foram separados em dois grupos, de maior e de menor desenvolvimento socioeconômico, no que se refere a desenvolvimento humano e a desigualdade de renda. Para cada grupo, foram verificados os índices de recursos físicos e humanos do SUS que estariam associadas ao diagnóstico precoce.
“Essas correlações, possivelmente, são consequência de uma má gestão dos recursos de saúde em determinado município. Nas cidades onde se tem o diagnóstico mais tardio, isso está relacionado com uma menor taxa de médicos e uma maior taxa de enfermeiros. Então, isso reforça a hipótese que poderia haver um melhor direcionamento dos recursos de saúde”, comentou Henrique.
Nesta análise, embora algumas variáveis estivessem positivamente associadas com o diagnóstico precoce, os pesquisadores concluíram que os dados sobre recursos físicos e humanos de Saúde tiveram pouca importância.
Desta forma, o modelo demonstra que os fatores socioeconômicos, como desenvolvimento humano e igualdade da distribuição de renda (Gini), são mais importantes para o diagnóstico precoce do que a disponibilidade da infraestrutura de saúde.
Para encerrar os debates do primeiro dia do evento, foi apresentado o projeto “Datacare: maratona contra o câncer”, realizado pelo Observatório de Oncologia, da Abrale, em parceria com o Departamento de Big Data Analytics do Hospital Israelita Albert Einstein e apoio do Instituto Avon, terá como foco de estudo o câncer de mama.
Hoje, o câncer de mama é a neoplasia mais diagnosticada entre as mulheres no Brasil e no mundo. Segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA), somente este ano serão mais de 65 mil novos diagnósticos da doença. Além disso, em 2017, o câncer de mama, dentre todas as neoplasias, foi a segunda causa de óbito entre o público feminino, sendo responsável por mais de 15 mil mortes. Estudos recentes também demonstram aumento na incidência da doença no país.
As ferramentes de análises de dados são importantes aliadas para levantar tais informações, como também para ajudar na tomada de decisões em condutas clínicas e até mesmo na criação de políticas em saúde.
O desenvolvimento da pesquisa acontecerá no mês de setembro. Cada equipe vai contar com, pelo menos, um especialista em cada área, tanto da ciência de dados quanto da ciência de saúde e deverá responder duas perguntas: “Quais os fatores associados ao diagnóstico tardio (estadiamento 3 e 4) do câncer de mama?” e “Quais os fatores associados ao diagnóstico precoce (estadiamento 1 e 2) do câncer de mama?”
Os participantes podem fazer a inscrição até 24 de agosto. Os resultados finais serão apresentados no 7° Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, no dia 25 de setembro.
30 de julho – Segundo dia do Fórum Big Data em Oncologia
Logo no primeiro painel, tivemos a participação de Fernanda Mussolino, especialista em dados da MOKA INFO, que apresentou os indicadores de câncer feminino do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, com foco no colo de útero.
Os dados deste tipo de câncer têm ligação direta com a questão do desenvolvimento socioeconômico do Brasil. De acordo com o estudo, a região sudeste tem um maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, e a região Nordeste, o menor. E quando analisa-se os municípios, essa disparidade é ainda maior, em especial na questão de tempo de vida.
“Falando especificamente sobre o câncer do colo de útero, um tipo de câncer altamente evitável, ainda assim ele é o terceiro tipo com mais novos casos em mulheres no Brasil. E quando olhamos para as macrorregiões brasileiras, no Nordeste ele é o segundo mais comum. No Sudeste, o quarto. Então já conseguimos entender as diferenças. O Sudeste vem apresentado uma redução de novos casos. Já no Nordeste, há um ligeiro crescimento”, disse Fernanda.
Enquanto 31% dos novos casos estão na região Nordeste e apenas 24% são tratados, na região Sudeste 50% das pacientes são tratadas – mesmo com menos casos. As diferenças também ficam claras quanto ao diagnóstico: no Nordeste, 22% das mulheres fizeram o diagnóstico, enquanto que no Sudeste, 55% das mulheres fizeram exames diagnósticos.
“As possibilidades de análises são infinitas, porque temos um volume de dados muito grande. Com isso, conseguimos acompanhar como vem acontecendo a saúde no Brasil. Quanto mais as pessoas tiverem curiosidade de acessar estas informações, que estão abertas ao público, melhor é o dado e melhor é a forma como conseguimos mostrá-lo”, finalizou.
No segundo painel, Dr. Marcelo Capra, onco-hematologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, abordou o City Cancer Challenge, de Porto Alegre. Esta é uma iniciativa liderada pela União Internacional de Controle do Câncer (UICC), e tem como objetivo conduzir algumas cidades no mundo à liderança no planejamento e implementação de soluções de tratamento de câncer.
“Os indicadores confiáveis ajudam os gestores para que possam tomar melhores decisões em saúde, inclusive administrativas. Hoje, precisamos escolher se devemos investir em mamografia ou em tratamento para o câncer de mama. Com os indicadores corretos, podemos conseguir equilibrar as coisas. Sou um advogado dos dados, porque é a partir deles que vamos melhorar a vida do paciente lá na ponta”, falou o médico.
Ainda no mesmo painel, Dr. Rafael Vargas trouxe alguns dados de uma pesquisa realizada em Porto Alegre sobre COVID-19 e câncer.
Neste momento, Porto Alegre está num curva de ascensão do novo coronavírus. Nos meses de março, abril e maio, observou-se que os pacientes pararam de procurar as unidades básicas de saúde, para realizar os exames preventivos de colonoscopia e mamografia. Sem os exames diagnósticos, também percebeu-se uma redução na solicitação de cirurgias oncológicas.
“Há, sim, uma relação direta entre o isolamento social e a busca dos pacientes por exames diagnósticos do câncer. E isso acontece por conta de comunicações como ‘fique em casa’, ‘só saia de casa se tiver sintomas gripais’. É preciso ter cuidado, pois neste caso, a pessoa precisa, sim, procurar por um médico. Tínhamos em média 3500 solicitações de mamografias por mês e chegamos a 500 solicitações durante o período de isolamento. Reforço que a oferta não mudou, mas a procura sim. O grande desafio pós-pandemia é conseguir oferecer os exames de rastreamento para todos aqueles que deixaram de fazer, durante o período de isolamento”, comentou o Dr. Rafael.
Outro ponto levantado foi a questão dos dados fidedignos. E o Dr. Rafael lembrou que, todos os dados abertos analisados são do Sistema Único de Saúde (SUS), já que as redes privadas não liberam tais informações.
“Quero salientar que estes dados abertos, como novos diagnósticos, internações, tratamentos, são apenas do SUS. E isso porque, no sistema público é obrigatório, por lei, que exista este sistema de informação único. Já para os hospitais privados, não. E temos a necessidade de ver os dados dos centros privados, porque precisamos entender este público”, salientou.
No terceiro e último painel, Dr. Lauro José Gergianin, oncopediatra do Instituto do Câncer Infantil, falou sobre o Panorama da Oncologia Pediátrica do Rio Grande do Sul.
Um dado que chamou atenção foi que, na faixa etária de 1 a 14 anos, 29% dos pacientes foram atendidos em unidades não habilitadas para câncer infantil. E entre crianças de 14 a 19 anos, 59% foram atendidas em hospitais não habilitados.
“O tempo é um item muito importante para o diagnóstico do câncer. Mas, muitos pacientes moram distantes dos centros habilitados, por isso é melhor que sejam atendidos rapidamente, por profissionais capacitados, do que não ser atendidos. Ainda que não seja em um hospital habilitado. Isso não é um divisor de águas tão preciso”, finalizou.
As palestras do 5° Fórum Big Data em Oncologia em breve estarão, na íntegra, no canal do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, no Youtube.
Fonte: Comunicação Abrale / Observatório de Oncologia