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Câncer como a primeira causa de morte nos municípios brasileiros em 2023

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Foto de Nathaniel Noir

 

Introdução

As condições crônicas não transmissíveis (CCNT) constituem as principais causas de adoecimento e morte no mundo, sendo o câncer uma de suas expressões mais relevantes (1). Em 2021, estimou-se que mais de 43 milhões de pessoas morreram por CCNTs globalmente, correspondendo a cerca de 75% de todos os óbitos não relacionados à pandemia. Entre essas doenças, o câncer representou aproximadamente 10 milhões de mortes (23%), ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares, responsáveis por cerca de 19 milhões de óbitos (1,2). Aproximadamente 30% das mortes por câncer estão associadas a fatores comportamentais e dietéticos modificáveis, como tabagismo, obesidade, consumo de álcool, dieta inadequada e sedentarismo (1,2).

No Brasil, o câncer representa um desafio crescente à saúde pública. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a estimativa para o triênio 2023–2025 é de 704 mil novos casos anuais, com predominância nas regiões Sul e Sudeste (3). Em 2015, o câncer já figurava como principal causa de morte em 516 municípios brasileiros, concentrando-se majoritariamente nessas duas regiões (4).

Diante desse cenário, compreender a evolução e a distribuição territorial da mortalidade por câncer é essencial para orientar políticas públicas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento.

Objetivos

O presente estudo teve como objetivos:

  1. Identificar em quais municípios brasileiros o câncer foi a principal causa de morte em 2023;
  2. Comparar esses achados com os resultados de 2015 e 2020, avaliando variações absolutas e relativas;
  3. Estimar a velocidade de crescimento dos óbitos por câncer em comparação às doenças do aparelho circulatório;
  4. Descrever a distribuição dos óbitos segundo sexo, faixa etária e região geográfica.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo  descritivo baseado em dados secundários obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, abrangendo o período de 1998 a 2023. As análises consideraram os óbitos segundo o local de residência e foram integradas às informações populacionais provenientes do Censo de 2022 do IBGE. A extração dos microdados foi realizada através do DATASUS.

Foram calculadas medidas de frequência (absoluta e relativa) para o percentual de municípios com número maior ou igual de óbitos por câncer comparado às outras causas. Foi também calculada a taxa de mortalidade bruta para 100 mil habitantes em cada município. Os resultados foram ilustrados em mapas para distribuição geográfica e tabelas e gráficos. A sistematização e análise dos dados foi realizado com o software Microsoft Power BI.

Resultados

Em 2023, o câncer foi a principal causa de morte em 670 municípios brasileiros, o que representa 12% do total. Em 2015, esse número era de 516 municípios, e em 2020, de 606 — um crescimento acumulado de 30% em oito anos.

A distribuição espacial revelou forte concentração nas regiões Sul e Sudeste, que juntas abrigam 76% dos municípios com essa característica (310 no Sul e 200 no Sudeste). O Nordeste respondeu por 13% (85 cidades), o Centro-Oeste por 7% (47 cidades) e o Norte por 4% (28 cidades).

A análise de porte populacional mostrou que o fenômeno ocorre de forma disseminada: 48% dos municípios são de pequeno porte (até 25 mil habitantes), 19% de médio porte (25 mil a 100 mil habitantes) e 33% de grande porte. O conjunto dessas 670 cidades concentra cerca de 9,2 milhões de habitantes.

O Rio Grande do Sul destacou-se como o estado com maior proporção de municípios em que o câncer já é a principal causa de morte — 168 dos 497 municípios (34%). Em São Paulo, esse percentual foi de 11% (68 de 645 municípios). Nacionalmente, o câncer representou 17% de todos os óbitos em 2023, enquanto no território gaúcho atingiu 22%.

O perfil das vítimas seguiu o padrão nacional: 56% dos óbitos ocorreram entre homens e 77% em pessoas com 60 anos ou mais. Os tipos de câncer mais letais foram o de pulmão (12%), seguido por mama (8%) e próstata (7%). No total, as 670 cidades concentraram 16.222 das 255.037 mortes por câncer registradas no país em 2023.

No período analisado (1998–2023), as mortes por câncer aumentaram 120%, enquanto as doenças cardiovasculares cresceram 51%. Isso indica que a mortalidade por neoplasias avança a um ritmo 2,3 vezes mais rápido do que as doenças do aparelho circulatório.

Discussão

Os resultados evidenciam uma transição epidemiológica em curso, na qual o câncer vem substituindo as doenças cardiovasculares como principal causa de morte, especialmente nas regiões mais desenvolvidas do país.

Entre as possíveis causas desse fenômeno estão o aumento da expectativa de vida, que eleva a exposição a mutações genéticas associadas ao envelhecimento (5); o controle mais eficaz de doenças infecciosas e cardiovasculares (5), que desloca a mortalidade para as neoplasias; e o aumento da prevalência de fatores de risco como tabagismo, obesidade e sedentarismo (6).

Além disso, o maior acesso a exames diagnósticos e a registros de mortalidade mais precisos pode ter contribuído para melhor identificação dos óbitos por câncer (3). O perfil sociodemográfico das regiões Sul e Sudeste — com predominância de população branca e maior vulnerabilidade à radiação ultravioleta — também pode explicar parte da distribuição observada (3,5).

Conclusão

O câncer consolidou-se como uma das principais causas de morte nos municípios brasileiros, sendo já a primeira causa em 12% das cidades, com forte concentração nas regiões Sul e Sudeste. O aumento expressivo da mortalidade por neoplasias, superior ao das doenças cardiovasculares, reforça a necessidade de estratégias integradas de prevenção, diagnóstico precoce e acesso oportuno ao tratamento.

É fundamental o monitoramento contínuo da mortalidade por câncer, a verificação do cumprimento da Lei nº 12.732/12 (Lei dos 60 dias) e o mapeamento dos fluxos de pacientes entre regiões, para reduzir desigualdades e fortalecer a rede de atenção oncológica. A solução para conter essa tendência é coletiva, envolvendo gestores, profissionais de saúde, pesquisadores e a sociedade civil.

Referências

1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Noncommunicable diseases. Geneva: WHO, 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicablediseases. Acesso em: 20 out. 2025.

2. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Cancer. Fact sheet. Geneva: WHO, 3 February 2025. Disponível em: https://www.who.int/newsroom/fact-sheets/detail/cancer. Acesso em: 20 out. 2025.

3. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2022.
Disponível em: https://www.inca.gov.br/estimativa. Acesso em: 20 out. 2025.

4. LOBO, Tiago Cepas. Câncer como a primeira causa de morte nos municípios brasileiros em 2015. São Paulo: Observatório de Oncologia, 18 abr. 2018. Disponível em: https://observatoriodeoncologia.com.br/estudos/cancer-de-sangue/mieloma-multiplo/2018/cancer-como-a-primeira-causa-demorte-nos-municipios-brasileiros-em-2015/. Acesso em: 20 out. 2025.

5. Jemal A, Vineis P, Bray F, Torre L, Formand D (Eds). The Cancer Atlas. Second Ed. Atlanta, GA: American Cancer Society; 2014. Disponível em: www.câncer.org/canceratlas.

6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2006-2020: tabagismo e consumo abusivo de álcool: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022.

Autores: CEPAS, Tiago; GIOSEFFI, Janaína Rosenburg.

 

Estudos anteriores:

2015:

Câncer como a primeira causa de morte nos municípios brasileiros em 2015

2020:

Câncer como a primeira causa de morte nos municípios brasileiros

 

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